SE OS DADOS SÃO O NOVO PETRÓLEO, É HORA DE REPENSAR A SUA EXPLORAÇÃO

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A ECONOMIA DE DADOS, OU DATANOMICS, impôs transformações profundas no nosso modo de viver e de fazer negócios. Se por um lado ampliou as formas de comunicação e criou novas oportunidades, por outro trouxe dilemas gigantescos para as relações humanas.

As big techs, protagonistas desse novo mundo, souberam utilizar os dados estruturados para fazer mais negócios e se consolidar. Empresas como Facebook, Amazon, Microsoft, Google e  Apple, designadas sob o acrônimo FAMGA, fizeram, por meio de seus algoritmos, verdadeiras radiografias dos hábitos, dos gostos e das ideias de seus clientes, a partir da coleta de dados pessoais processados em sofisticados sistemas de inteligência artificial. 

Limites éticos foram rompidos e, sem regulação, essas companhias se tornaram bilionárias na última década, dominando o cenário corporativo global com uma concentração de poder econômico e político jamais vista na história do capitalismo. 

A concentração de poder das big techs tem destruído ou impedido o crescimento de empresas em diversos segmentos. Além disso, tem influenciado o comportamento e as escolhas dos cidadãos. Para chegar aonde estão, essas empresas rompem os limites da privacidade individual. 

Em consequência da disseminação do uso das redes sociais, vimos surgir as sementes de um processo autofágico de polarização, iniciado na primeira metade da década passada. Nesse momento histórico, as pessoas foram condicionadas a achar que precisam dar um voto de like ou dislike para tudo o que encontram em suas timelines, e foram encorajadas a julgar e a condenar publicamente todos aqueles que expressam opiniões e visões de mundo diferentes das suas bolhas cognitivas. É o que hoje conhecemos como “cultura do cancelamento”, que pode causar prejuízos pessoais e profissionais incalculáveis a quem é vítima desse processo tempestuoso. Em tempos em que se fala tanto de diversidade, onde está o direito à divergência, à variedade de opiniões?

Quando se fala em poder dos dados, falamos em retroalimentação do poder das big techs. Não há como fazer uma simples busca de produto, serviço ou informação sem usar alguma de suas interfaces. Esse fluxo de dados passando por poucos canais gera um aumento de concentração de renda e uma diminuição de possibilidades de negócios. Por mais que as pequenas empresas apareçam, quando elas podem vir a se tornar concorrentes, são mortas no nascedouro, pois as gigantes têm a informação privilegiada sobre o potencial das emergentes. 

Agora que todos entendem que os dados são as commodities do século 21 e que essas companhias se consolidaram, o mundo começou a lançar alavancas proibitivas. A General Data Protection Regulation (GDPR), regulação europeia para a proteção de dados pessoais de seus cidadãos, foi aprovada em 2018. E, no ano passado, inspirado nessa legislação, o Brasil aprovou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Entender até onde vai o limite da privacidade, vis-à-vis a possibilidade de fazer negócios, é uma bela equação. Mas uma coisa é certa: só as big techs continuarão enriquecendo. 

Essas companhias crescem à custa de terem destruído vários outros mercados. Não pagaram impostos de forma justa, considerando seu formidável poder e faturamento, fazendo uso de uma série de lacunas existentes nas legislações tributárias para constituir paulatinamente um verdadeiro poder paralelo. Induzem o cancelamento e as fake news. Num mundo com condições competitivas e esse tipo de empresa, a desigualdade só aumenta.

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A pergunta que não quer calar é: Por que foi dada a permissão a essas empresas para operarem livremente, usando nossos dados à vontade sem que possamos ver o poder da lei para esse tipo de empresa? Só no Facebook, 500 milhões de pessoas tiveram seus dados vazados. Se uma empresa pequena houvesse cometido uma falha de menor proporção com os dados de seus clientes, veríamos o mesmo tipo de tolerância ou, mais provável, ela seria impedida de continuar trabalhando?

Em um mundo que fala em igualdade, equidade e diversidade, como é possível afirmar que há simetria de oportunidades para o pequeno e médio empresário em relação ao poder incalculável dessas gigantes? 

O faturamento do Facebook em 2020 foi de US$ 86 bilhões, o equivalente a quase R$ 500 bilhões e, no caso do escândalo envolvendo a Cambridge Analytica, pagou a irrisória multa de meio milhão de libras, aproximadamente R$ 2,59 milhões. O valor é equivalente a ínfimos 0,04% do faturamento.

 Recentemente, a Austrália passou a cobrar o Google e o Faceboook pela distribuição de conteúdos e notícias. Há movimentos crescentes de governos e empresas, inclusive nos EUA, contra os abusos das big techs. E quanto aos demais países?

É inegável que houve democratização do acesso à informação. Cerca de 42% da população do planeta está nas redes sociais. O Brasil é o terceiro no mundo em tempo gasto em aplicativos; os brasileiros gastam 3 horas e 45 minutos utilizando essas tecnologias. Por outro lado, isso nos remete ao grande filósofo Umberto Eco quando saudou os “7 bilhões de imbecis” que hoje são “especialistas em tudo”, determinando o que pode e o que não pode ser visto, lido, ouvido, noticiado ou vendido. É um tribunal a cada minuto, uma espécie de autoritarismo, em que o poder da bolha que grita mais alto prevalece. 

A verdade é que não sabemos a verdade. Todos vivemos em um ambiente sob intensa e crescente polarização. Em um mundo dividido, em que a desigualdade bate recordes, como não teremos polarização? Como vamos conter essa locomotiva desenfreada sem a promoção de fóruns e debates? Sem o diálogo, a maioria acaba silenciando.

Vivemos a impossibilidade de apresentar alternativas para a discussão de quaisquer temas, como se a única realidade possível fosse aquela proclamada por um consórcio supostamente liberal e intelectual. Uma espécie de agrupamento dedicado a criar uma narrativa para reescrever a realidade e adotar um pensamento monolítico, uma vez que a humanidade sempre cresceu em cima do exercício do contraditório. 

Como fazer para restaurar o imprescindível respeito a quem diverge do que você pensa? Esse é o compromisso de todos aqueles que acreditam na liberdade das ideias e no poder do diálogo para construir pontes que levem ao progresso individual e coletivo.

A maldição do petróleo é real. Instituições democráticas ruíram e se perderam na corrupção. Embora seja uma das commodities mais valiosas do mundo, carrega a contradição de gerar guerra, pobreza e autoritarismo. Se os dados são o novo petróleo, e este hoje está sob o escrutínio global e a ótica reformista preconizada pelo Fórum Econômico Mundial – com as recomendações para a adoção da agenda ESG, sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, pelas principais empresas do planeta –, é hora de incluir os dados do consumidor e cidadão nessa pauta.

ROBERTO MEIR,
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SUMÁRIO – Edição 288

As relações de consumo acompanham mudanças intensas e contínuas na sociedade e no mercado. Vivemos na era da Inteligência Artificial, dos dados e de um consumidor mais exigente, consciente e impaciente. Mais do que nunca, ele é o centro de tudo: das decisões, estratégias e inovações.
O consumidor é digital sem deixar de ser humano, inovador sem abrir mão do que confia. Ele quer respeito absoluto pela sua identidade, quer ser ouvido e ter voz.
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