Vivemos em um mundo frágil, ansioso, não linear e incompreensível. Foi dessa forma que o antropólogo norte-americano Jamais Cascio, descreveu a sociedade o os comportamentos das pessoas ao criar o conceito BANI. Tanta imprevisibilidade dita como líderes precisam atuar em suas respectivas áreas e corporações.
Para ser bem-sucedido nessa jornada, portanto, uma palavra ressoa: resiliência. Ao menos foi essa a resposta em uníssono dada por executivos após o questionamento sobre “como líderes atuam em ambientes com cada vez mais incertezas?” realizado pelo mediador Vitor Morais de Andrade, presidente da ABRAREC, durante o painel “CEO resiliente: habilidades para liderar no mundo digital”, do CONAREC 2024.
Para responder à pergunta, Paulo Nigro, CEO do Hospital Sírio-Libanês, relembra a própria trajetória, marcada por adaptações ao longo dos anos, o que, para ele, foi um caminho essencial para que construísse resiliência.
“Comecei minha jornada como engenheiro mecânico, trabalhando em uma fábrica da Goodyear. Na sala ao lado, um grupo de pessoas trabalhava em uma salinha fechada, na qual ficavam interpretando o Telex”, conta. A máquina, explica ele, antecedeu a época do Fax e era usada para comunicação com a matriz da empresa nos EUA.
De lá para cá, Nigro relembra como o mercado evoluiu, saindo desse contexto completamente analógico para chegar ao digital e, ao mesmo tempo, como as pessoas e as lideranças tiveram de fazer o mesmo e se adaptar.
“O mundo era completamente diferente do de hoje. Lembro que a primeira máquina de Fax foi um milagre”, lembra, rindo. “Hoje, conversamos com máquinas e elas conversam com a gente e nos dão encaminhamentos. Cabe a nós saber acompanhar essa evolução.”
Batalha de gerações
Quando se fala sobre digital e evolução da empresa, também é preciso considerar as diferentes gerações. Afinal, baby boomers possuem um pensamento completamente diferente do dos millennials que, por sua vez, estão distantes do modus operandi dos GenZ.
Nesse sentido, a resiliência está em saber lidar com o conflito de gerações e extrair o melhor de cada uma delas. É também parte da habilidade que os líderes devem saber empregar no dia a dia, a fim de construir uma cultura de produtividade e troca.
“Somos uma empresa familiar, criada pelos meus pais, então eu, como segunda geração, estou trazendo o pensamento de ‘como fazer diferente’ e trazer inovação com tecnologia para até mesmo aquilo que é considerado básico”, conta Talita Santos, CEO da Gtex Brasil, uma empresa especializada em produtos de limpeza.
A executiva ressalta que o processo tem sido “bacana” e que um dos principais aprendizados entre gerações engloba o ‘ouvir’ as pessoas. “Percebo que só porque as pessoas estão trabalhando na empresa há mais de 30 anos não significa que elas não querem tecnologia – muito pelo contrário. Elas querem inovar e isso é o que estamos sempre em busca”, conta.
Para Talita, a inovação é a chave para conseguir permanecer em um mercado tão competitivo, especialmente no qual ela atua, visto que a indústria de produtos de limpeza é liderada, em geral, por grandes corporações.
“Criamos e-commerce, fazemos leitura de dados para entender o consumidor para conseguir estar o mais próximo dele e, assim, antever lançamentos. Até porque, multinacionais conseguem acesso às pesquisas de mercado e nós, que somos ‘muito nacionais’, temos de ter criatividade e incentivar a inovação e a tecnologia para dentro do nosso ambiente.”
Considerando que cada geração possui um comportamento, Claudine Bayma, diretora-geral da Kwai, também observa o quanto as diferentes visões podem ser complementares, sobretudo em um ambiente de atuação horizontal, como é o da Kwai.
“Vejo uma beleza grande na diversidade de gerações. Uma pessoa de uma geração mais antiga, que já viveu tantas experiências, pode em um momento de crise ser a primeira a dizer ‘calma, tudo vai dar certo, vamos por aqui’. Ao mesmo tempo, uma pessoa de uma geração mais jovem tem uma visão de ‘não dá para esperar o planejamento completo’ e vai lá e toma uma atitude para agora”, diz.
Claudine ressalta que o papel da liderança, nesse contexto, é saber como orquestrar e, “como em uma sinfonia, saber puxar quem e cada habilidade que serão vitais em determinado momento. Meu papel enquanto gestora é, além de promover o desenvolvimento, dar espaço e oportunidade, sem deixar de apoiar, guiar e facilitar [o processo] no que for possível”.
A executiva sinaliza também o quanto o digital trouxe um senso de comunidade único e, sobretudo, a possibilidade de usar a tecnologia para “fomentar conversas autênticas e relevantes” – algo que deve ser aproveitado, especialmente no sentido de trazer relevância à marca e fidelizar clientes.
Humano sempre no centro
Outro ponto em comum discutido pelos entrevistados foi o olhar para o humano. Parte da jornada da boa liderança é saber não apenas promover uma boa interação entre as gerações, mas também extrair o melhor das pessoas para que o negócio possa sempre evoluir – e isso começa olhando para dentro.
“Nesse processo que estamos vivendo, de evolução digital e de transformação, acredito que nunca foi tão importante olhar para as pessoas. Falamos muito em fazer a trajetória para o digital, de atendimento ao cliente, mas, pra mim hoje, para conseguir oferecer um serviço de excelência por meio de tecnologia é preciso, essencialmente, observar o ambiente de trabalho que promovemos para as nossas pessoas”, argumenta Magali Leite, CEO da Espaçolaser.
A executiva ressalta que, na sua visão, o capital humano é o bem de maior valor e é ele também que traz “a possibilidade de competitividade e inovação” que as companhias necessitam, visto que esses serão os resultados que organizações conseguirão ao promover um ambiente de desenvolvimento, com boa gestão e consequente retenção de talentos. “Não é simples, porque obviamente [as diferentes gerações] também te desafiam mais enquanto no papel da liderança.”
Para Magali, a resiliência aqui é fundamental, mas é preciso também desenvolver, antes de tudo, a humildade. “Desaprendemos todos os dias. Hoje, as organizações se tornam instituições de ensino também, então a cultura de aprendizado é forte”, afirma.
Tecnologia como aliada
Durante o papo, Vitor Morais também questionou o papel do líder para entender quando a tecnologia é necessária e quando humano é necessário. “Quando é preciso o ‘Big Data’, ou o ‘Big Dedo’?”, brinca ele, fazendo um trocadilho.
Para Talita, da Gtex Brasil, o pulo do gato tem sido o respaldo nos dados combinado com a inteligência humana para analisá-los. “Nesse contexto resiliente que estamos tendo de enfrentar todos os dias, no qual você não sabe o que vai acontecer daqui a alguns meses, no qual o mundo não tem mais um planejamento concreto para daqui um ano, porque tudo pode mudar, é importante saber olhar o mercado e entender para onde o consumidor está indo”, argumenta.
Nesse sentido, as informações atreladas à análise humana podem trazer insights diversos e redirecionar os negócios da melhor forma: do remanejar a compra de insumos ao definir os próximos lançamentos com base na observância de uma variação dentro da economia, ou do comportamento de consumo.
“O mais importante é que isso não vire necessariamente algo para se analisar no trimestre ou no semestral, mas para entender o que aconteceu na semana, na quinzena, o que vendeu mais, o que ficou parado na gôndola. Isso tudo são pessoas analisando dados, são pessoas fazendo a pergunta correta. Costumo dizer que precisamos treinar as pessoas para fazerem as perguntas corretas, porque do contrário não passa de um ‘bando de dados’ que continuará assim, um ‘bando’ que não traz respostas para dentro de casa.”
Para além das pessoas e da tecnologia, os processos também devem ser fortemente analisados na visão de Paulo Nigro. “Grandes vencedores focam no processo, desenvolvem pessoas, são generalistas e especialistas e, assim, desenvolvem times de alta performance”, comenta ele, complementando que neste momento de transformação promovida pela IA, a preparação é vital.
“Vai ser tudo muito rápido. Então temos de estar preparados e não podemos abrir mão de algumas coisas: dos nossos valores, de atitudes focadas para o nosso cliente e para que ele seja sempre tratado com ética, integridade e com nossos não negociáveis”, encerra.