A proteção animal está cada vez mais em evidência. A briga dos protetores pelo não uso dos bichos em testes de laboratório chega a ações extremas. Quem não se lembra das comoventes fotos dos beagles saindo de um laboratório aqui no Brasil?
Essa discussão entre cientistas e ativistas ? e suas torcidas ? é enorme e fica difícil tomar partido. Afinal, claro que pesquisas são importantes. Mas os animais não merecem passar pelas muitas torturas a que são submetidos, segundo inúmeras denúncias de entidades de proteção. Estima-se que, todos os anos, mais de 115 milhões de animais sejam usados em laboratórios de teste por todo o mundo.
O músico Brian May, do Queen, também esteve no evento, mostrando seu apoio à causa
Há, no entanto, muitos cientistas lutando pelo futuro da ciência livre de animais. E essa luta recebeu um gigantesco incentivo na semana passada. Na última sexta-feira, dia 20 de novembro, houve a entrega de £450,000 a cientistas e ativistas de nove países, responsáveis por pesquisar de que modo as novas tecnologias podem garantir pesquisas livres de animais. O prêmio veio do Lush Prize, o maior fundo de premiação para a substituição completa de experimentos animais.
Os vencedores foram selecionados por um painel de especialistas entre 51 finalistas de times de cientistas, organizações e pesquisadores.
A premiação recompensa trabalhos em áreas de ciência, treinamento, conscientização pública, lobbying e jovem pesquisador. Pela primeira vez, houve cinco vencedores do Prêmio da Caixa Preta, premiados por seus trabalhos no mapeamento da primeira ?trajetória de toxicidade humana? do mundo, explicando completamente em um nível molecular como um componente químico tóxico pode entrar no corpo humano e levar a uma reação alérgica recorrente na pele.
Os jurados do Lush Prize acreditam que o mapeamento desta trajetória, usando tecnologias do século 21, como genética e computação, representa um excepcional avanço em um futuro onde uma ciência molecular superior possa substituir a tecnologia de testes em animais. ?Geralmente ouvimos sobre como os testes em animais são cruéis e duvidosos, mas nós também queremos abraçar o futuro da ciência do Século 21, onde a pesquisa é mais relevante. Modelos 3D de cultura e sistemas de ?corpo-em-um-chip? (body-on-a-chip) são apenas alguns dos projetos vibrantes que estamos recompensando neste ano. Ter vencedores da Caixa Preta com apenas quatro anos de Lush Prize também é um reconhecimento do quanto muitos cientistas veem como crucial o distanciamento dos testes em animais?, diz Rob Harrison, diretor do Lush Prize.
Os vencedores deste ano incluem:
? Jovem Pesquisadores, progredindo em uma carreira de ciência livre de animais, do Brasil, Alemanha, Itália e EUA;
? Um indivíduo da Ucrânia, cuja introdução de alternativas aos testes em animais em universidades salvou milhares de animais;
? Um Membro do Parlamento do Partido Verde da Nova Zelândia que liderou a campanha para acabar com os testes em animais para cosméticos (Ela recusou o elemento financeiro do prêmio, o que permitiu que mais um Jovem Pesquisador fosse premiado);
? Uma organização nos EUA cujo trabalho garante que animais não usados mais em experimentos devem ser realocados para ambientes seguros ao invés de mortos.
Brasileira no páreo
A bióloga brasileira Bianca Marigliani foi a única representante da América Latina premiada. Seu projeto leva à reflexão até mesmo cientistas acostumados com o tema e os ativistas defensores mais ferrenhos dos métodos alternativos.
Atualmente, para avaliar a segurança de ingredientes cosméticos é realizada uma bateria de testes, entre eles os métodos in vitro, baseados principalmente no cultivo de células humanas. Substituir testes em animais por métodos in vitro é um avanço tanto do ponto de vista ético quanto científico, mas o método ainda é questionado, pois parte desses testes ainda usa pelo menos um elemento de origem animal.
O mais comum deles é o soro bovino fetal, utilizado como suplemento para o meio de cultivo das células. O método de obtenção do soro, a partir do sangue coletado por punção cardíaca de fetos bovinos ainda vivos, sem anestesia, ainda é considerado desumano.
Além dessa questão, segundo alguns pesquisadores, podem ser apontados problemas técnico-científicos na utilização desse soro. Especialmente quando se trata de testes para avaliação do potencial alergênico de agentes químicos, visto que eles podem se combinar com os componentes do soro e levar a resultados equivocados.
É justamente sobre esse ponto que trata o projeto da cientista brasileira Bianca Marigliani: adaptar uma linhagem celular a um meio de cultivo livre de soro, a fim de verificar a performance dessa célula em um método in vitro já estabelecido. Se os resultados forem favoráveis, esse pode ser um passo importante para termos cosméticos seguros e isentos de sofrimento animal, independente da espécie.
Bianca é especialista em Biologia Molecular, mestre em Biotecnologia pela USP e doutoranda em Biotecnologia na Universidade Federal de São Paulo, onde desenvolve métodos in vitro alternativos ao uso de animais para avaliação de potencial alergênico de agentes químicos. A cientista também é membro fundador do Instituto 1R de Promoção e Pesquisa para Substituição da Experimentação Animal e, juntamente com o Prof. Thales Tréz, investiga a percepção de graduandos da área da saúde sobre o uso de animais em aulas práticas e métodos alternativos a esse uso. Preocupada com a substituição total dos animais em testes cosméticos, uma questão particular chama sua atenção: o uso de produtos de origem animal em métodos alternativos. Esse é o tema do projeto que a colocou entre as finalistas do Lush Prize 2015 na categoria Young Researcher.
O prêmio
O Lush Prize ? agora em seu quarto ano ? geralmente financia £250,000 do fundo anual para projetos trabalhando em acabar com as pesquisas animais em toxicologia (testes químicos). A premiação é fundada completamente pela Lush Cosmetics. O projeto tem parceria com o grupo de pesquisas Ethical Consumer. O Lush Prize até agora financiou um total de £1.2 para acabar com os testes em animais.
Conheça as categorias do Prêmio:
Conscientização Pública: gerar uma conscientização pública sobre os testes existentes
Ciência: para o desenvolvimento da substituição dos testes em animais
Treinamento: treinamento de pesquisadores em testes sem animais
Lobbying: intervenções políticas para promover o uso de substituições
Jovem Pesquisador: para pesquisadores abaixo dos 35 anos se especializando em pesquisas de substituição
Caixa Preta: para uma descoberta essencial para as pesquisas de trajetórias de toxicidade humana
A lista completa dos ganhadores está abaixo.