Estamos a menos de um mês da Copa do Mundo. Nos gramados dos estádios construídos de modo lento e perdulário, a expectativa é vermos gols e vitórias convincentes da nossa seleção para superarmos o trauma de 1950. Além disso, poderemos ver por aqui grandes jogadores que andam em falta desde que nos tornamos exportadores de pé-de-obra. Por outro lado, é interessante traçar um paralelo com a performance brasileira no Festival de Cannes. Exportamos mão de obra publicitária, mas conseguimos preservar a maior parte dos nossos craques por aqui.
O fato é que nunca foi tão desafiador, complexo e difícil ser um criativo quanto nos dias que correm secos por aqui. A publicidade brasileira, antes reconhecida pela sua irreverência, pela capacidade de ser inventiva e bem humorada, hoje se tornou um negócio quase estatístico. Bill Bernbach, mitológico gênio da propaganda, costumava dizer que “estamos tão preocupados com as estatísticas referentes aos resultados obtidos pela propaganda, que nos esquecemos de criá-las”. Cheia de parâmetros, métricas, indicadores, normas e regulações, além do combate feroz das patrulhas politicamente corretas, criar campanhas impactantes, capazes de cair no gosto das pessoas e de ganharem as rodinhas de amigos com bordões memoráveis vai se tornando um evento extraordinário, atípico. Um sopro de frescor em meio ao cipoal de contrariedades.
A propaganda brasileira hoje é mais profissional. É mais pomposa. É mais séria, mais bem-acabada, bem pensada, cheia de padrões qualitativos de expressão e execução. Mas é infinitamente mais chata, aborrecida e previsível. Comparem-se os bordões atuais com os clássicos “Bonita camisa, Fernandinho”; “O primeiro soutien a gente nunca esquece”; “Líder absoluto da vice-liderança”, “nossos japoneses são mais criativos que os outros”; “a cerveja dos momentos felizes”; “a maior rede em simpatia”… e veremos uma notável evolução da capacidade de adaptar ideias para mídias diferentes – uma consequência da fragmentação acelerada das alternativas de busca pela audiência representadas por mídias tradicionais e novas – mas pouca verve para conquistar corações e mentes simultaneamente.
O Brasil costumava comemorar seus leões em filme no Festival de Cannes nas décadas de 70 e 80, 10 ou 15 unidades em anos particularmente férteis. Em anos recentes, nossas agências voltam carregadas de leões, mais de uma centena, distribuídos por diversas categorias. Uma mesma campanha pode ser premiada em 5, 8 ou 10 categorias mas pouquíssimas campanhas conseguem o feito de serem lembradas pelos consumidores reproduzidas como elementos culturais.
Não se trata de uma crise de criatividade. Trata-se na verdade de um momento distinto com suas peculiaridades. O Brasil é mercado de agências de propaganda com talento e competências capazes de providenciar o melhor trabalho possível para anunciantes diversos. Mas não necessariamente o trabalho mais criativo. Porém, não enveredemos pela esparrela da “criatividade que vende”. Vender não é o objetivo principal da propaganda, salvo para redes varejistas ou para empresas focadas em momentos promocionais, onde o alívio de caixa e a busca por metas trimestrais imperam. O grosso do investimento em comunicação, aí incluída a destinação às novas mídias sociais e às plataformas digitais é voltado para a construção de um relacionamento mais consistente com clientes e consumidores, além de outros stakeholders. O fim último da propaganda é a manutenção, proteção e construção de reputação, a adesão de fãs e defensores de marca e a conquista de tempo e atenção frequente destes fãs bem como de parcelas qualitativas e quantitativas de consumidores (conforme o negócio de cada empresa). Falamos de geração de valor, de produção de conteúdo e de conhecimento aplicável e relevante para os consumidores. O filme, esteio de toda grande campanha, pelo seu potencial viral e replicável, ainda é a linguagem que por excelência define a propaganda. A evolução técnica dos comerciais é impressionante. A capacidade de contar histórias ampliadas, que trafegam por mídias diversas, ganhou possibilidades e alternativas espantosas.
Anúncios trazem códigos que por meio do smartphone acessam a internet, filmes na TV ganham extensões no You Tube, um SMS pode trazer links para diversos filmetes que, por sua vez, podem contar diferentes histórias conforme a interação com o usuário. Patrocínios de conteúdos em vídeo por marcas ombreiam com filmes colaborativos exibidos nos canais destas marcas nas redes sociais. Desdobramentos, ampliações, multiplicações procuram ganhar a atenção e o tempo da audiência. “Criatividade” nos tempos atuais parece mais a definição da capacidade de estender uma mensagem para diversas mídias do que a busca por uma ideia definidora, central, diferenciadora, capaz de distinguir uma marca das concorrentes. A capacidade de envolver e emboscar o consumidor a cada momento faz mais sentido do que criar empatia de forma instantânea e impactante.
Enquanto o Brasil fará seus gols na Copa, veremos quantos gols nossos publicitários marcarão com sua nova visão criativa no Festival de Cannes. Mas para comparação e para reflexão, vejamos o que mudou na comunicação de uma marca global como a Coca-Cola. Nos idos de 1980, a marca ousava ser global reproduzindo uma ideia marcante nos diversos locais do mundo, com a campanha Coca-Cola e um sorriso.
A seguir, o comercial da marca para a Copa do Mundo 2014, com o tema “Everyone´s invited”.
A marca Coca-Cola continua sendo um elemento de congraçamento, alegria, emoção e envolvimento. Por esse lado, pouca coisa mudou. Mas o foco agora é o da integração, da mensagem além do produto, da busca pela construção de uma comunidade. No primeiro comercial, o tempo é um momento, um instante, uma pausa para ganhar força e se recuperar das batalhas do cotidiano. No segundo, o tempo é longo, demanda convivência, história, convivência.
A criatividade deixou de falar coletivamente, mirando em impressões sensoriais genéricas.
Hoje ela é social, procura falar ao indivíduo e à sua integração com uma comunidade.
O consumidor evolui e com ele, a propaganda. Até onde isso impacta na qualidade criativa é pergunta ainda sem resposta consistente.
* Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Inteligência de Negócios do Grupo Padrão