A coisa estava lá na China, a pouco mais de meio mundo de distância. Recebíamos vagas notícias de uma nova gripe que ameaçava ganhar o mundo como a famigerada H1N1 e que teríamos de voltar à rotina de embeber as mãos em álcool gel novamente. Aos poucos, relatos de que uma cidade chinesa chamada Wuhan estava submetendo sua população à quarentena causaram alguma estranheza: “como assim, quarentena? As pessoas têm de ficar em casa, é isso? Só os doentes?”.
Aos poucos, o minúsculo vírus ganhou um nome – COVID-19 – e começou a viajar pelo mundo. Foi para a Coreia do Sul, Hong Kong, apareceu na Itália, foi minimizado – “outra dessas gripes aviárias, suínas”. De repente, em meados de fevereiro, o mundo começou a disseminar informações tão rápido quanto o novo coronavírus se espalhava. Os tons de curiosidade ganharam notas de alarme quando o vírus explodiu na Itália violentamente, tomando todo o norte do país. França, Alemanha, Espanha, EUA, Canadá e finalmente o Brasil começaram a noticiar casos. Quarentenas, fechamento de comércio, cancelamento de jogos, campeonatos, shows, festas, eventos, Jogos Olímpicos adiados!
Em apenas um mês, o caos econômico se instalou. Ao lado da absurda velocidade de disseminação do vírus, a deterioração acelerada da força dos mercados trouxe o pânico, com queda vertiginosa das bolsas de valores, incertezas, alarido, confusão. E enquanto as pessoas se recolhiam às suas casas, incorporamos novas palavras ao nosso cotidiano: a quarentena, o isolamento social, resguardo, contaminação, transmissão. Um vírus para os novos tempos, exemplarmente identificado com a era digital, o COVID-19 se propaga como meme, zomba de autoridades sanitárias, fronteiras, ricos, políticos, celebridades, médicos, hospitais, metrópoles e vai se instalando, pedindo passagem, querendo realizar o antigo sonho da lendária Coca-Cola, atingir cada um dos habitantes do planeta.
Tempos de vício
A combinação de isolamento social, empresas fechadas, ausências de opções de lazer coletivo, esportes, medo de perder queridos e de sermos, cada um de nós, agentes de transmissão do vírus, criou uma outra epidemia, esta potencialmente mais duradoura, certamente não tão viral mas preocupante: melancolia.
Os contingentes de cidadãos e trabalhadores que têm o privilégio de exercer suas atividades conectados, estão manifestando uma mistura de sentimentos de tristeza, falta, perda, carência de afeto, de contato físico, de espaço. Uma coisa é trabalhar no modelo home office quando é uma opção que não limita a pessoa a sair de casa quando bem quiser. Outra, é fazer do home office praticamente sua única janela de contato com o mundo exterior. A maior parte daqueles que têm a opção e o privilégio de estarem confinados também enxerga com angústia a situação econômica e o desmoronamento instantâneo das projeções de crescimento, vendas, investimentos, promoções. E para piorar, a melancolia se acentua quando surge a pergunta sobre como sairemos desta crise? Conseguiremos nos sentir à vontade em aglomerações mínimas? Ficaremos à vontade em filas, nos bancos, nos supermercados, nos aeroportos? Iremos abraçar estranhos nos jogos de futebol, baladas e shows?
Governos batem cabeça quase que no mundo inteiro, salvo exceções que contribuem para manter certa altivez do gênero humano, humilhado pelo esperto novo coronavírus – Alemanha, Coreia, talvez o Japão. Do lado brasileiro, o desencontro de visões, a apoplexia de empresários, formadores de opinião, e a desconexão de parte do governo federal com a realidade chama a atenção negativamente. O momento é de colaboração e intensa troca de informações entre municípios, estados e governo central, políticas devem ser coordenadas e uma visão efetiva sobre como proteger os cidadãos da infecção, do contágio, cuidar dos necessitados e sintomáticos e também das empresas que estão impossibilitadas de vender em escala mínima sequer deveria concentrar esforços e não disputas. O falso dilema entre escolher mortos pela pandemia ou pela ruína econômica está ganhando corpo e adeptos neste momento em que tudo parece irracional.
“O momento é grave, exige diálogo…”
É fato que para combater os efeitos dessas 3 epidemias devastadoras – do novo coronavírus, da economia em lockdown e da melancolia derivada do isolamento – será necessário muito dinheiro. E os governos precisam saber que este é o momento de renunciar e de irrigar a economia com crédito e com confiança. Pelo menos R$ 1 trilhão deveriam estar sendo alocados de todas as fontes disponíveis, de todas as reservas técnicas existentes para combater esses males. É preciso que a sanidade prevaleça nesses tempos repletos de vícios e vírus.
Governos devem renunciar a impostos por 3 meses, bancos devem renunciar a emprestar a juros positivos, empreendedores devem renunciar a lucros no curto prazo, pessoas devem renunciar a estilos de vida mais opulentos por algum tempo, políticos devem renunciar a algumas de suas crenças e preconceitos mais arraigados em nome de uma recuperação mais rápida, menos dolorosa, menos conflituosa e aflitiva dos doentes, dos isolados, das empresas, crianças, pais e empreendedores. Essa atitude vai muito além do álcool gel, de lavar as mãos e de mostrar resiliência nesse momento de solidão conectada.
O momento é grave, exige diálogo, transparência, coragem, paciência e solidariedade. Sobretudo, exige racionalidade. Sem discernimento, frieza e exame acurado da situação e pragmatismo, não haverá boas decisões, ao contrário. Veremos apenas o debate infrutífero que insufla extremos e alegra as redes antissociais. O novo coronavírus vai passar. O problema maior é o que ficará depois dele. Quiçá não seja a melancolia que ora nos consome diante da incerteza e da falta de liderança e de razão.