Faça um rápido exercício. Olhe para os corredores da sua empresa e veja quantas mulheres ocupam cargos de chefia. Mais: pense quantas mulheres ocupam o cargo de CEO no Brasil e no mundo. Provavelmente, você lembrou de uma ou duas. Isso é reflexo da desigualdade de gênero que assola empresas em todo o mundo. Segundo estudo da International Business Report, somente 14% das diretorias das companhias brasileiras são ocupadas por mulheres.
Marília Rocca é uma das exceções nesse mundo. Desde agosto de 2016, ela ocupa o cargo de CEO da Ticket Benefícios, controlada pelo grupo francês Edenred. Antes de lá, também ocupou postos de destaque em grandes companhias como Totvs, Walmart e foi sócia da Mãe Terra, empresa de alimentos orgânicos que foi comprada pela Unilever no ano passado.
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Além de executiva com um currículo vasto, Marília também é mãe de duas meninas. Por que isso é importante em uma entrevista sobre liderança? Segundo ela, para as outras mulheres saberem que é possível ser uma executiva de sucesso e uma mãe presente. “Quero que mais mulheres se inspirem em trilhar esses caminhos sem sentirem o peso de que é algo impossível”, afirma ela.
Em entrevista à Consumidor Moderno, a executiva fala sobre como lidar com as novas gerações e também traz conselhos e incentivos para mulheres que pensam em trilhar caminhos no mundo corporativo. “Tem que estar muito aberta e sem medo de ser a protagonista”, afirma.
Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.
A participação feminina ainda é muito incipiente em cargos de CEO, ainda mais aqui no Brasil. Como você enxerga isso?
Marília Rocca – É algo que precisa mudar. Primeiro de tudo, é bom lembrar que cerca de 70% das decisões de compra por mundo são tomadas pelas mulheres. Estudos mostram isso. A mulher tem um protagonismo na economia muito grande. Logo, é preciso ter uma cabeça feminina participando ativamente das decisões das companhias. A questão da diversidade é fundamental. Levantamentos diversos mostram que quanto mais diversidade, melhores resultados. As mulheres em cargos de chefia vão trazer decisões melhores porque a diversidade traz melhores resultados. Precisamos de empresas com mais diversidade cultural, racial… Ambientes inclusivos são melhores para se trabalhar.
E como a Ticket trabalha para construir, de fato, um ambiente inclusivo?
As pessoas precisam passar mais tempo da vida delas em uma empresa onde elas enxerguem perspectivas e onde se sentem representados. Aqui, em qualquer vaga aberta precisamos ter candidatas mulheres. É uma preocupação da empresa. Atualmente, temos o mesmo número de homens e mulheres. Em cargos gerenciais, temos um número menor de mulheres. É a realidade. Para mudar isso, começamos workshops de empoderamento feminino focando no crescimento da carreira. Geralmente, as mulheres possuem mais demandas em casa e têm dificuldades de conciliar com a carreira. É a realidade para a maior parte de nós.
Você é uma das poucas CEOs mulheres no Brasil. Qual é a sua função para mudar esse cenário?
Quero que mais mulheres se inspirem em trilhar esses caminhos sem sentirem o peso de que é algo impossível. Eu quero ter essa responsabilidade de ser exemplo. Muitas mulheres me abordam para me perguntar como eu fiz para conciliar a minha carreira com o nascimento das minhas duas filhas, de como eu me portei depois que me divorciei. Existe uma curiosidade sobre mulheres que obtiveram sucesso mesmo com essas dificuldades. E acredito que isso precisa ser compartilhado, que é algo relevante. Eu fico muito feliz de ter esse papel. Qualquer líder precisa se colocar como exemplo. Claro que como um bom exemplo.
Como tem sido ser CEO com a crise que o Brasil vem passando nos últimos anos?
Tem sido um período extremamente intenso. Não só porque estamos enfrentando uma economia bastante desafiadora, mas também por conta da nossa economia estar num processo de mudança e revitalização. No meu caso, peguei carona em algo que já estava sendo dado e acelerei o processo de mudança.
Qual seria esse processo de mudança?
Trabalhamos muito com a área de recursos humanos e, para mim, é muito importante a escuta. Nós estamos na área de benefícios, logo precisamos nos conectar com as necessidades dos empregados, empresas até estabelecimentos. Estamos num ecossistema bastante complexo.
E como vem sendo a sua liderança desde então?
Como eu disse, em um primeiro momento, é uma liderança de muita escuta. Procurei entender as aspirações das pessoas, o que elas imaginavam da vida e o que elas acreditavam que poderia fazê-las florescer de maneira positiva. O papel do novo líder é de ser um facilitador. Ser alguém que faz e promova essa escuta ativa e depois age como um acelerador de projetos. O líder ajuda a priorizar esses projetos e acelerá-los. E isso é ainda mais importante em tempos como os atuais. Vivemos uma desintermediação muito grande. Os negócios estão ainda mais rápidos por conta da velocidade da tecnologia.
Você acredita que as startups estão mudando até a forma de gerir?
Sim. As companhias que nasceram na última década possuem estruturas menores, com menos funcionários. O lado positivo é conseguir respostas mais rápidas. As vezes, empresas grandes são burocráticas para coisas simples, como mudar um simples layout. Logo, a cultura das empresas precisam amadurecer e dar mais responsabilidades às pessoas. Temos que deixar as pessoas ter mais protagonismo. É um desejo das novas gerações. Elas não querem trabalhar das 8h às 18h sem opinar. As empresas precisam estar mais abertas a isso.
Como estimular isso?
Sentimos a necessidade de encontros para trocas. É o caso do programa Bola da Vez. São encontros em que todos ficam de pé para falar sobre o que está acontecendo na companhia naquela semana. Desde a presidente até a estagiária se juntam para, literalmente, jogar a bola um para o outro. Quem está com ela na mão precisa dar a sua opinião sobre o que está ocorrendo. Desta maneira, as pessoas ficam bem mais próximas e também promovemos uma comunicação mais aberta.
E qual é a importância do CEO nesse processo de abertura?
Um dos papéis do CEO é alinhar as pessoas ao propósito da empresa. É praticamente uma evangelização. Tem até um pouquinho de pastor no meio (risos). Estamos passando por um rebranding e mergulhamos naquilo que tinha sido responsável pela nossa essência. A nossa meta aqui dentro é que as pessoas comprem o lema da empresa, que é “benefícios se multiplicam”. Isso gera uma compra de propósito e uma onda de ajustes.
Quais são as suas inspirações para gerir equipes?
Eu me inspiro em vários líderes. Um dos exemplos é a Luiza Trajano, que se dispõe a assumir bandeiras e ser exemplo. É uma pessoa que inspira generosidade. Também admiro o Sérgio Rial, do Santander. Acompanhei esses dois líderes, com estilos distintos, e que sempre agiram de maneira muito respeitosa.
E que tipo de lições você tirou deles?
Tirar os problemas da frente. Precisamos colher sugestões de toda a empresa de como melhorar os processos, de como agradar os clientes. Levo como lema que não podemos enxergar os problemas da empresa como parte da paisagem.
Você já sentiu algum preconceito no mundo corporativo por ser mulher?
Eu senti um pouco no começo da minha carreira, quando estava no Walmart. Mas acredito que era mais pela idade. Muito jovem eu me tornei diretora de operações do primeiro supercenter do Walmart, com mais de 300 funcionários. Eu sentia um preconceito, algo como “olha a fedelha querendo determinar as regras.”
Qual conselho você dá para mulheres que estão começando agora em grandes corporações ou até mesmo o próprio negócio?
Tem que estar muito aberta e sem medo de ser a protagonista. É preciso estar disposta. Eu cheguei aqui trabalhando muito e ouvindo muito. Não tive medo de me impor e tive a sorte de ter bons líderes, que me ensinaram muito. E não é necessário abrir mão de nada. É possível ser mãe, ser esposa e ser uma super-executiva. Mas também é preciso casar bem – alguém que te ajude e seja companheiro. Se você tentar assumir todos os papéis e não tiver ajuda, vai prejudicar todo o seu trabalho. Também não pode ter medo de oportunidades que ocasionem em processos grandes de mudança. Isso acelera a carreira. É preciso se jogar.