O comportamento da Geração Z vem sendo monitorado pelo mercado brasileiro há anos, mas tem muita gente que ainda não conseguiu se conectar com esses consumidores. Isso porque não estamos diante apenas de uma geração mais jovem; estamos diante de uma geração que traz consigo um novo mindset de consumo que está transformando a sua relação com as marcas: a lógica ‘smart buying’.
Michel Alcoforado, antropólogo e sócio-fundador da Consumoteca, apresentou no CONAREC 2022 a lógica de pensamento identificada pela consultoria e as principais tendências de consumo para a Geração Z.
O que mais interessa à Geração Z agora, depois dos millennials que nos últimos dez anos dominaram corações e planilhas dos departamentos de marketing? A Geração Z agora é vista como um público importante. Ao olhar para esse novo mercado de consumidores, que já tem poder de compra e capacidade de consumo chama a atenção a deslealdade com as marcas.
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Ser nativo digital define mindset da Geração Z
Quando falamos em Geração Z, Alcoforado destaca dois aspectos importantes para começar a reflexão. O primeiro é o fato de já terem nascido com o celular dentro do bolso, sem ter passado por todo o processo de adaptação de um mundo analógico a um digital que as gerações anteriores tiveram que se preocupar e se adaptar.
“Eles não têm o mesmo conjunto de crenças ou de expectativas sobre a transformação digital que as outras gerações tinham. Além disso, a geração Z cresce em um contexto de crise”. Isso leva à uma palavra muita ouvida no CONAREC e entre profissionais que se preocupam com a experiência do cliente contemporâneo, que é o desafio de ser omnichannel. “E gera, mais do que tudo, um outro aspecto importante, que é a maneira como eles pensam o mundo, o que chamamos de ‘mashup culture’”, explica o antropólogo.
Do mesmo modo que no celular, ao reunir aplicativos de paquera, trabalho, mindfulness, produtividade, compras e finanças, está tudo junto e misturado. “Essa geração tem uma cabeça onde está tudo junto e misturado no mesmo lugar também. Não só na perspectiva de canal ou de experiência, mas sobretudo na perspectiva de tempo, o que gera uma grande confusão”, explica.
Segundo Alcoforado, esses jovens da Geração Z crescem empurrados por um futuro que eles acreditam que vai ser muito pior do que o presente e muito pior do que o passado foi. Nesse movimento, a tecnologia assume esse papel de misturar essa visão de mundo, mas afeta sobretudo uma lógica de construção de vida que impacta na relação com as marcas.
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“Ao contrário do cliente millennial, que partia do pressuposto de ter uma experiência que precisava ser balizada por propósitos, com muito sonho, com expectativas, a Geração Z é um tipo de consumidor extremamente mais pragmático do que sonhador”, aponta. Trata-se de um tipo de consumidor mais preocupado com o retorno rápido da experiência do que com uma relação de benefício afetivo.
“Esse é um consumidor que não ama marcas. Ele ama recompensas. ‘O que eles ganham com isso?’ Esta é a pergunta que deve ser respondida para os jovens da Geração Z”. Isso se reflete na principal tendência de consumo identifica pela Consumoteca em várias análises, o ‘smart buying’.
O mindset ‘smart buying’ decide as compras de maneira pragmática, com a escolha de produtos, marcas e serviços a partir de uma noção mais clara daquilo que ele está ganhando e daquilo que ele está perdendo.
Cinco pontos para jornada de smart buying
Os dispositivos digitais, especialmente após dois anos de pandemia, ajudaram a fazer esse cálculo. Por isso, o processo de ganhos precisa ficar excessivamente claro ao longo de toda a experiência. De acordo com Alcoforado, esse processo de ‘smart buying’ leva em consideração cinco passos que muitas das vezes são esquecidos.
O primeiro deles é o acesso. As marcas entraram pesadamente no universo digital durante a pandemia. E é preciso levar em conta o elevado grau de desigualdade e limitações tecnológicas no Brasil, onde 90% da população vive com até dois salários-mínimos e 40 milhões de pessoas nunca entraram na internet.
“Com 100 milhões de pessoas com acesso precário à internet, isso interfere na experiência dentro do aplicativo. Por isso é preciso refletir sobre é o processo de acesso do meu cliente ao meu universo digital pra garantir a melhor experiência possível”, recomenda o CEO da Consumoteca.
Um outro ponto importante é o território da confiança, que envolve o processo de amadurecimento digital em termos de categoria de produto. “Como o consumidor confia no produto é um ponto importantíssimo na construção do vínculo da marca com o usuário”.
Em seguida, vem o teste, aponta Alcoforado. Toda categoria digital precisa convencer o cliente sair do offline e ir para o online, e para ser bem-sucedido precisa prometer alguma coisa.
“Uma oferta de benefícios matadora. O que ela é depende do segmento. Se falamos, por exemplo, de livro, é variabilidade de produto, melhor preço, entrega rápida. Se é banco digital, tem a ver com burocracia, agilidade e sem taxas. No caso da moda, sortimento de produto, disponibilidade, tamanho e preço”, exemplifica o antropólogo, que sugere às empresas e marcas refletirem analiticamente sobre quais são esses efeitos matadores que convenceriam o consumidor a sair de casa e comprar tudo o que ele podia comprar na loja pelo celular.
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O terceiro ponto é o conjunto de benefícios que vai fidelizar o consumidor. “Só depois do convencimento inicial com esse consumidor, oferecer para ele outros benefícios é que se torna possível que ele entre de cabeça dentro do nosso ecossistema”.
Por entrar no ciclo de experiência através de uma lógica pragmática, a Geração Z não é leal a marcas, mas é leal a produtos, de acordo com os levantamentos e análises de consumo da Consumoteca. “Não é lealdade à Apple, mas ao iPhone. Não é à toa que a Apple todo dia tem que contar que a câmera do celular novo é melhor, porque precisa construir essa lealdade em relação ao produto”, aponta Alcoforado.
Isso transforma a jornada de experiência do consumidor ao se basear em um vínculo que se constrói pela apresentação contínua de um benefício. E a pergunta volta a ser como fidelizar a Geração Z. “Para garantir essa experiência contínua de relacionamento é preciso oferecer um benefício atrás do outro a todo tempo”.
Alcoforado compara com o processo de compra de um livro. Precisa ser o mais barato, com a entrega mais rápida, com sugestões que pessoas parecidas comigo gostariam de ler também. “É um novo modelo de experiência do consumidor, onde a gente sai de uma fidelização da marca para uma fidelização da recompensa”, continua.
Shein é case de smart buying para Consumoteca
Além disso, a digitalização do consumo trouxe uma lógica de prateleira infinita, que cobra a expansão do portfólio de marca de uma maneira muito forte. “É preciso ter de maneira muito clara qual o conjunto de vantagens ofereço ao meu consumidor na hora em que mostro meu produto”, sugere Alcoforado, que cita o modelo de negócio da Shein como um exemplo muito bem-sucedido de ‘smart buying’ para a Geração Z. “É uma experiência bastante positiva para os consumidores, que fideliza a Geração Z ao trabalhar com a fidelidade à recompensa. Quanto mais eu compro, mais interação eu faço dentro da plataforma, mais pontos eu ganho e mais isso se converte num conjunto de descontos, o que faz o consumidor acreditar que vale a pena ele viver dentro do ecossistema da marca”, explica.
Além disso, as opções ilimitadas dentro do mesmo app tem por trás uma lógica de compra pragmática, onde o consumidor percebe que a marca oferece uma solução rápida e direta pra a resolução do seu problema, antes mesmo dele saber se precisava daquele produto ou não, por conta da presença ostensiva dos algoritmos e da tecnologia.
Assim como o sistema de avaliação e resenha. A própria comunidade, através das suas interações, vai fortalecendo esses vínculos e constrói essa lógica de segurança dentro desse ambiente. “Trazer os consumidores como principais avaliadores da marca dá concretude para o benefício, dentro do universo digital, para aquilo que só parece existir no território das telas”, avalia Alcoforado.
Outro exemplo importante na reflexão sobre o consumo da Geração Z e o apego às marcas está na lógica de descida de um produto da passarela, por exemplo, para as ruas. Para o sócio-fundador da Consumoteca, apesar de serem apaixonados pelo universo de luxo, a Geração Z não têm o apego às marcas como os consumidores da Geração X ou mesmo os millennials. “Eles querem a bolsa Balenciaga, mas tiver na Shopee uma versão já está bom”, indica Alcoforado.
Segundo análises da Consumoteca, essa mudança da relação de desejo com as marcas tem movimentado no Brasil setores que não estão ligados ao universo tecnológico, como o comércio popular de rua, que resolve essa lógica de consumo desses consumidores.
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