/
/
Felicidade no mundo digital: o que estamos fazendo?

Felicidade no mundo digital: o que estamos fazendo?

“Neste novo mundo, a felicidade deixou de ser algo interior, um sentimento real a ser compartilhado com quem está ao meu lado”

Numa tarde fria e chuvosa deste verão – quem não acredita em mudanças climáticas deveria rever seus conceitos – caiu na minha mão um livro inusitado. Seu tema era: como morreram os grandes filósofos? Sabemos tudo sobre suas vidas e obras, mas praticamente nada sobre o fim de suas vidas. Existem duas exceções: Sócrates e Nietzsche. O filósofo grego condenado a tomar cicuta por ter corrompido a mente dos jovens e Nietzsche que teve uma morte muito simbólica: faleceu exatamente no ano da virada do século, 1900, depois de sofrer algum tipo de demência. De todos os aforismos escritos por ele, o mais significativo para demonstrar as mudanças que se anunciavam no século XX foi sobre a morte de Deus:

Não podem ouvir o barulho dos coveiros – enterrando Deus?
Ainda não sentiram o fedor da decomposição divina?
Os deuses também apodrecem! E Deus morreu!
Deus está morto! E nós o matamos!

Mas o que chamou realmente minha atenção neste livro foi o fato de que praticamente todos externaram o mesmo sentimento quando seu dia final se aproximava: o mundo está perdido! As novas gerações estão acabando com o que foi construído pelas gerações passadas! Não que meu dia esteja se aproximando – assim espero – mas vejo minha geração com o mesmo tipo de sentimento. Nas rodinhas de conversas com os amigos a perplexidade é a mesma: não reconheço mais este mundo e o dia do juízo final da humanidade – pelo menos da humanidade como a conhecemos até hoje – parece estar perto. Será que agora é verdade? Provavelmente não, mas que as mudanças são muito profundas não podemos negar. Vou me referir aqui, por absoluta falta de espaço, a apenas duas mudanças: a falta de referências a serem seguidas e o universo digital.

Confira a edição online da revista Consumidor Moderno!

Até o fim do período clássico da história, as pessoas pautavam-se por copiar os antepassados. O modelo a ser seguido pelas pessoas era moldado pelas histórias da criação, sejam míticas, sejam reais ou religiosas. Os mitos da criação das diversas culturas fundaram aquelas sociedades. Rômulo e Remo fundaram Roma. A Bíblia fundou o catolicismo. Cabia aos homens conhecer o passado e copiar o que tinha de bom nele. Com a modernidade, o olhar da humanidade voltou-se para a busca das realizações futuras: as revoluções pela justiça social (burguesa, no primeiro momento, e proletária quando do desenvolvimento do capitalismo). Quais são as nossas referências hoje na pós-modernidade? Nossos felizes umbigos. O passado não nos serve mais e o futuro não nos diz respeito. Quero ser feliz ao máximo hoje, mesmo que isto custe a felicidade de muitos outros. Minha felicidade é o centro do mundo.

E tudo isso é absolutamente potencializado no mundo digital. Neste novo mundo, a felicidade deixou de ser algo interior, um sentimento real a ser compartilhado com quem está ao meu lado, para ser algo que preciso mostrar aos outros. A todo e qualquer custo, eu preciso gritar ao mundo que sou feliz. Assim, minha felicidade é exterior a mim e não importa se é real ou não. Felicidade virtual. Só existe na aparência das redes sociais. A felicidade virtual do meu umbigo se basta. E, se precisar de mudanças genéticas para meu umbigo ser mais feliz, vamos lá…

Como se perguntavam os filósofos um pouco antes do dia final: será que a humanidade suporta tal mundo novo? Termino com uma peça de teatro de Beckett datada de 1953:

Estragon: Nós somos felizes. (Silêncio). Que fazemos agora, agora que somos felizes?
Vladimir: Esperamos por Godot.

Como todos sabem: Godot nunca chegou…

 

*Marcelo Gomes Sodré é professor da PUC-SP e colunista da revista Consumidor Moderno

 

Compartilhe essa notícia:

WhatsApp
X
LinkedIn
Facebook
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recomendadas

MAIS MATÉRIAS

SUMÁRIO – Edição 290

A evolução do consumidor traz uma série de desafios inéditos, inclusive para os modelos de gestão corporativa. A Consumidor Moderno tornou-se especialista em entender essas mutações e identificar tendências. Como um ecossistema de conteúdo multiplataforma, temos o inabalável compromisso de traduzir essa expertise para o mundo empresarial assimilar a importância da inserção do consumidor no centro de suas decisões e estratégias.

A busca incansável da excelência e a inovação como essência fomentam nosso espírito questionador, movido pela adrenalina de desafiar e superar limites – sempre com integridade.

Esses são os valores que nos impulsionam a explorar continuamente as melhores práticas para o desenho de uma experiência do cliente fluida e memorável, no Brasil e no mundo.

A IA chega para acelerar e exponencializar os negócios e seus processos. Mas o CX é para sempre, e fará a diferença nas relações com os clientes.

CAPA: Rhauan Porfirio e Camila Nascimento
IMAGEM: Adobe Stock


Publisher
Roberto Meir

Diretor-Executivo de Conhecimento
Jacques Meir
[email protected]

Diretora-Executiva
Lucimara Fiorin
[email protected]

COMERCIAL E PUBLICIDADE
Gerentes-Comerciais
Angela Souto
[email protected] 

Daniela Calvo
[email protected]

Elisabete Almeida
[email protected]

Érica Issa
[email protected]

Natalia Gouveia
[email protected]

NÚCLEO DE CONTEÚDO
Head de Conteúdo
Larissa Sant’Ana
[email protected]

Editor-assistente
Thiago Calil
[email protected]

Editora do Portal 
Júlia Fregonese
[email protected]

Produtores de Conteúdo
Bianca Alvarenga
Danielle Ruas 
Jéssica Chalegra
Marcelo Brandão
Nayara de Deus

Head de Arte
Camila Nascimento
[email protected]

Designers
Isabella Pisaneski
Rhauan Porfirio

Revisão
Elani Cardoso

COMUNICAÇÃO
Gerente de Comunicação e Cultura
Simone Gurgel

MARKETING
Gerente de Marketing
Ivan Junqueira

Coordenadora
Bárbara Cipriano

TECNOLOGIA
Gerente

Ricardo Domingues


CONSUMIDOR MODERNO
é uma publicação da Padrão Editorial Ltda.
www.gpadrao.com.br
Rua Ceará, 62 – Higienópolis
Brasil – São Paulo – SP – 01234-010
Telefone: +55 (11) 3125-2244
A editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos ou nas matérias assinadas. A reprodução do conteúdo editorial desta revista só será permitida com autorização da Editora ou com citação da fonte.
Todos os direitos reservados e protegidos pelas leis do copyright,
sendo vedada a reprodução no todo ou em parte dos textos
publicados nesta revista, salvo expresso
consentimento dos seus editores.
Padrão Editorial Eireli.
Consumidor Moderno ISSN 1413-1226

NA INTERNET
Acesse diariamente o portal
www.consumidormoderno.com.br
e tenha acesso a um conteúdo multiformato
sempre original, instigante e provocador
sobre todos os assuntos relativos ao
comportamento do consumidor e à inteligência
relacional, incluindo tendências, experiência,
jornada do cliente, tecnologias, defesa do
consumidor, nova consciência, gestão e inovação.

PUBLICIDADE
Anuncie na Consumidor Moderno e tenha
o melhor retorno de leitores qualificados
e informados do Brasil.

PARA INFORMAÇÕES SOBRE ORÇAMENTOS:
[email protected]