* Enviado especial a Cannes
O quanto somos suscetíveis aos nossos próprios códigos e preconceitos? O quanto nos enganamos com o que pensamos que vemos sem enxergar o que realmente devemos ver? Por que somos intrinsecamente tão otimistas conosco e tão céticos quanto aos outros?
As hipóteses mais testadas pela ciência atualmente mostra que Os nossos mecanismos mentais com seus vieses e preconceitos impõem-se sobre o que pressupomos ser uma base racional para a tomada de nossas decisões. Infelizmente, a maioria das nossas decisões não é fruto de boas análises mas antes da forma com que nosso cérebro foi moldado a partir do que é inato e do que foi assimilado em nossa experiência de vida. Estas foram as premissas de duas palestras especiais promovidas pelo TED especialmente no Festival de Cannes.
O professor de neurociencia da University College de London e fundador do Lotto Lab, Beau Lotto e a CEO do Starcom Mediavest Group, Laura Desmond fizeram duas incursos fascinantes sobre a forma como pensamos e conduzimos o nosso pensamento criativo. Lotto fez um apresentação sintética, no melhor estilo TED mas impactante. Com slides simples, mostrou de maneira inequívoca como nos deixamos levar por aquilo que supomos ver e não pelo que realmente está na nossa frente. Um dos bons exemplos partiu de uma combinação de letras aleatórias. O professor pediu a platéia que montasse palavras com as letras dispostas no slide. A seguir, apresentou outra seqüência e pediu a mesma coisa. Uma nova leva de palavras foi levantada pela audiência. O detalhe e a armadilha: as letras dos dois slides eram rigorosamente iguais. Ou seja, bastou uma nova disposição dos elementos para que a nossa percepção se alterasse completamente.
Outro experimento curioso baseou-se na exibição de uma expressão simples em inglês. Progressivamente, letras foram suprimidas sem que o entendimento fosse alterado. Em dado momento, palavras foram sutilmente trocadas de ordem, o que alterou a percepção e induziu a erro. Finalmente, a expressão apareceu em português com as palavras ainda incompletas e mesmo os brasileiros tiveram dificuldade para compreendeê-la, pois o contexto todo nos leva a pensar em inglês.
Laura Desmond partiu dos nosso vieses para mostrar e questionar porque somos otimistas conosco e céticos com os demais. Em um teste simples, exibiu um gráfico com as porcentagens de 75%, 50%, 25% e 1% e pediu que as pessoas se enquadrassem em uma categoria. Claro que a platéia seguiu a tendência procurando mais pontos comuns entre si do que diferenças substanciais. A seguir, Laura mostrou um slide com habilidades diversas: ter habilidade para dirigir, ser interessante, atrativo, honesto e…modesto. Nesse caso. A maior parte das pessoas considera-se distinta o que, incrivelmente as aproxima…
O que nos mantém otimistas ao encarar a realidade? Justamente o contexto que nos cerca. Se a pessoa é fumante e vê a mensagem “o fumo mata” na embalagem do cigarro, ela normalmente negligência o enunciado. Afinal, como otimista, a pessoa pensa”mata os outros, não eu”…
Aplicando essa perspectiva ao processo criativo e a linguagem publicitária, podemos perceber como somos suscetíveis a pensar de forma errada simplesmente por conta de nossas percepções. Daniel Kahneman, Nobel de Economia em parceria com Amos Tverski trabalhou por décadas a fio a questão da tomada de decisões em diversas pesquisas que comprovaram a existência de dois sistemas atuando em conjunto nas mentes humanas: 1 e 2. O primeiro é totalmente intuitivo e instintivo, reagindo rápido diante de estímulos, o segundo procura ponderar, classificar e consumir esforço para conduzir a uma decisão. A neurociência procura estudar justamente como somos reféns inescapaveis das premissas e dos preconceitos do sistema 1, justamente para aliviar o fardo do esforço do pensamento.
Projetando essa mecânica para o estudo do comportamento dos consumidores, temos diversos campos para pesquisa: os processos de decisão do consumidor, que se acomodam e procuram usar o mínimo esforço no processo de gasolina – razão que leva a escolher a marca líder em detrimento de outras com mais qualidades – a não racionalizar a tomada de crédito, a opção por uma campanha “segura” e que se torna irrelevante diante de uma platéia cercada de estímulos e ansiosa por experiências mais ricas. Envolvemos nosso próprio código de valores como sendo o único válido para a compreensão de problemas e comportamentos que transcendem a nossa percepção. O processo criativo enfrenta esses obstáculos continuamente, tropeçando em armadilhas mentais que buscam contornar o esforço necessário para a tomada de uma decisão melhor. Ao mesmo tempo, dispendemos muita energia trabalhando e racionalizando sobre estímulos que jamais serão alvo de reflexão apurada sob pena de paralisar nossa vida pessoal e profissional.
A mente humana é uma espetacular fonte de pesquisas e de conhecimento. Os estudos a respeito dos mecanismos que nos levam a tomar decisões, a preferir, escolher, assimilar e desenvolver comportamentos ainda precisam ser aprimorados. Mas esta é uma jornada sem fim. Qual é o gatilho que origina a necessidade de expressão criativa e o que faz os criativos estabelecerem conexões e códigos que asseguram empatia com os mais diversos públicos? Entender como somos sujeitos a percepções e vieses e que nossas decisões são fruto do contexto em que estamos e que nos envolve certamente pode colaborar para queossamos evoluir como pessoas e como profissionais, criando interações mais autênticas e efetivas entre marcas e consumidores.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Inteligência de Negócios do Grupo Padrão.