Depois de tantos escândalos de corrupção, a ética tornou-se um diferencial. Mas para alguns setores pode ser uma questão de sobrevivência. O setor bancário é um dos mais vigiados e regulados das economias global e brasileira. Por aqui, todas as instituições financeiras respondem ao Banco Central. Aqueles que têm capital aberto também precisam ficar atentos a todas as normas e obrigações pedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Há ainda o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Fazenda.
Além de todas essas limitações impostas, os bancos precisam cuidar ao máximo da sua imagem. Não é por mera publicidade. Um banco sem confiança é um banco quebrado. Peguemos o exemplo do Lehman Brothers: temores de que a carteira do banco estava infestada de títulos hipotecários podres o fizeram quebrar. Antes da comprovação, houve fuga de capital, o que acelerou ainda mais a dissolução da instituição.
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Logo, todo o cuidado é precioso para os bancos. Com o Itaú não poderia ser diferente. A empresa conta com uma robusta equipe de compliance – 160 colaboradores são ligados diretamente à área. Detalhe: outros 30 devem ser contratados ainda este ano. Trata-se de um número 20 vezes maior do que o da JBS.
“O Itaú tem, há bastante tempo, uma área dedicada à prevenção de lavagem de dinheiro muito bem estruturada e com um contingente expressivo de profissionais altamente qualificados, além de todo o suporte tecnológico”, diz Gilberto Frussa, diretor de compliance corporativo do Itaú Unibanco. “O avanço das Operações Lava Jato, Zelotes e outras obviamente nos fez reforçar a avaliação de todos os nossos processos, mas no sentido de dar sequência à evolução de um tema que sempre foi prioridade para nós”.
No banco, ética virou um verdadeiro mantra. Nos e-mails de todos os colaboradores, abaixo da assinatura, aparece uma mensagem: ética é inegociável. A mesma frase pode ser vista nas paredes da sede do banco, localizado no bairro do Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo.
“Nós trabalhamos com processos internos que visam a identificar informações relevantes sobre a idoneidade e a atuação de nossos clientes, parceiros comerciais e fornecedores”, Gilberto Frussa, do ItaúO cotidiano também tenta trazer essa imagem para os funcionários. Qualquer tipo de reunião precisa ser registrada em uma ata, por exemplo. A criação de um produto também passa pelo crivo de órgãos superiores.
Os treinamentos também são periódicos, o que, no caso do Itaú, não é algo tão simples. O banco possui cerca de 90.000 funcionários. Mesmo assim, todos os colaboradores precisam renovar o curso a cada dois anos e assinar um termo de conduta, afirmando que conhecem todas as regras.
Entre os temas estudados estão ética empresarial, prevenção à corrupção e fraude, segurança da informação e prevenção à lavagem de dinheiro.
“Nós trabalhamos com processos internos que visam a identificar informações relevantes sobre a idoneidade e a atuação de nossos clientes, parceiros comerciais e fornecedores, bem como a origem e formação de seu patrimônio, comportamento empresarial, entre outros”, diz Frussa.
Uma cidade para administrar
Não é só o Itaú que tem trabalho multiplicado por conta do seu tamanho. É possível comparar todo o efetivo do Grupo Pão de Açúcar com uma cidade de médio porte, sem nenhum exagero. O contingente de 140 mil funcionários é maior do que a população de cidades importantes como Barueri e Atibaia, no interior de São Paulo.
Se o tamanho já não era problema suficiente para implementar um programa de compliance, a empresa também possui capital aberto no Brasil e nos Estados Unidos, o que aumenta ainda mais os critérios de governança da varejista.
Para alcançar um grupo desse tamanho, o GPA precisou atirar para várias direções. A consultoria EY, por exemplo, é a responsável por auditar o setor de compliance e as denúncias. Outra estratégia foi criar um jogo dentro da intranet da empresa, mostrando situações de risco que poderiam ocorrer em uma fictícia companhia de distribuição – uma alusão, claro, ao GPA.
Nestas simulações, o funcionário é questionado a respeito da atitude que ele tomaria, sendo quatro opções: duas certas e duas erradas.
“A intenção é mostrar que existem várias saídas para uma mesma situação, mas que uma pode ser mais certa do que a outra”, diz Marilia Loosli, responsável pelo compliance de toda a Companhia Brasileira de Distribuição, que controla todas as empresas do GPA, como Via Varejo e GPA Malls. A ação atingiu cinco mil pessoas.
Um dos exemplos do resultado alcançado por esse tipo de treinamento foi no departamento de compras. O principal gestor da área começou a perceber que as indústrias começaram a mandar amostras para testes em números muito elevados. Sabão em pó, chocolate, sorvete e afins. Alguns estragavam, enquanto outros sumiam.
Ele foi atrás do setor de compliance para resolver a situação. Resultado: a criação de uma política de recebimento de produtos (agora, há apenas um mínimo permitido) e também uma forma mais produtiva de doação de itens que sobram.
Para alcançar todos os outros funcionários, a empresa faz treinamentos periódicos com gerentes regionais, que têm a responsabilidade de passar para todas as lojas que eles atendem. Com essas estratégias, o Grupo tenta evitar problemas que impactaram muito a antiga Cnova, que controlava todo o braço de comércio eletrônico do Grupo.
De 2011 a 2016 sofreu com uma série de desvios de mercadorias que impactaram o balanço da empresa em R$ 177 milhões. À época, as ações da empresa também sofreram. “Não só pelo caso da Cnova, agora todas as empresas do Grupo têm novas regras e controles internos mais fortes”, diz Marília.
O papel da iniciativa privada
No mundo inteiro, há levantes contra a corrupção e o abuso de poder dos governos e partidos políticos. Portanto, a eleição de “outsiders” ou a ascensão deles não é por acaso. De acordo com um levantamento realizado pela Transparência Internacional, a percepção de corrupção nos partidos políticos é de 65% de toda a população global. Ou seja, trata-se de um movimento global.
Da mesma forma, a iniciativa privada não tem muito o que comemorar. A mesma pesquisa mostra que 45% das pessoas acreditam que a iniciativa privada do seu país é corrupta ou extremamente corrupta. Nos países emergentes essa percepção não é só maior, como é um fato que as empresas se envolvem em atos ilícitos.
A consultoria americana FTI fez um estudo que mostrou que 83% das multinacionais instaladas em mercados em desenvolvimento tiveram algum tipo de perda causada por subornos ou fraudes.
Com a Siemens não foi diferente. Além das irregularidades encontradas na própria sede da Alemanha, boa parte das fraudes estava em nações emergentes. O Brasil era uma delas. Em 2007, a empresa detectou em seu departamento de compliance global indícios de cartel nas disputas por vendas de trens ao governo do Estado de São Paulo.
O caso ficou popularmente conhecido como “trensalão” e ainda teve a participação de outras multinacionais como a francesa Alstom, a espanhola CAF e a canadense Bombardier.
A Siemens decidiu procurar os órgãos locais competentes para fazer um acordo de leniência, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, admitindo a sua participação e ainda dando detalhes do esquema. Com o vazamento da informação, a imagem da empresa foi para o buraco no Brasil. Ela foi bombardeada pela imprensa e a população.
“Nos procuravam para comentar o caso, mas os órgãos não permitiam que falássemos nada, com risco de o acordo ser quebrado”, diz Goto, diretor de compliance da Siemens.
Quase cinco anos depois, o caso está sendo esclarecido. A empresa e o Ministério Público Estadual caminham para um acordo que deve somar R$ 1 bilhão em multas. E a nova fase da Siemens pode ser vista até na mudança de sede global, em Munique.
Desde o fim de 2016, a companhia está baseada em um prédio totalmente envidraçado por dentro e por fora. Ou seja, de uma longa distância, é possível ver os funcionários trabalhando em suas mesas. Uma metáfora perfeita do atual momento de busca por transparência.
Mais do que nunca, a iniciativa privada tem de fazer parte dessa luta por um mundo mais lícito. Diversos especialistas apontam que as atuais operações podem ser um marco do combate à corrupção. Por outro lado, também há a possibilidade de ocorrer o que aconteceu na Itália, com a Operação Mãos Limpas – poucos anos depois, tudo voltou à bagunça de sempre.
Hoje, o Brasil está na 96ª posição no ranking de corrupção da Transparência Internacional, atrás de países como Cuba, Turquia, África do Sul e a própria Itália. Alguma dúvida de que está na hora de mudar esse panorama que insiste em afligir o brasileiro?
Este é a terceira de uma série de três reportagens sobre compliance. Clique aqui para ter acesso às outras