* Enviado especial a Cannes
O que uma série como Game of Thrones tem a ensinar para as marcas? Antes de mais nada, trata-se de uma boa história. E como toda boa história ela tem bons personagens. Personagens que retratam a dinâmica da vida, com ambições, medos, dúvidas, fábulas morais, poder, sexo, força, humor, diálogos. Até que ponto a busca por histórias reais das quais somos testemunhas misturam-se com histórias criadas e mágicas como Game of Thrones? Qual delas fala mais ao coração e faz mais sentido às pessoas? Qual o espaço que cada uma ocupa na mente humana? Como elas convivem? Como saber qual delas falará De modo mais adequado para cada marca?
Um dos mais consistentes e recorrentes eixos temáticos do Cannes Lions 2014 foi justamente a importância do storytelling para as marcas, os veículos e todos aqueles que de uma forma ou outra gravitam na produção de conteúdo. O paradoxo é que vivemos em uma era tão tomada pela ansiedade de expor causos pessoais que nos esquecemos da arte de contar histórias. Nunca tivemos tantos recursos para contar histórias ricas e intensas: fotos, textos, imagens, vídeos, sons estão ao alcance de milhões de pessoas com um smartphone. E, ainda assim, histórias não são cintadas como deveriam. O grande méritos de Game of Thrones como foi mostrado na palestra “O poder das histórias” de 18/06 organizada pela Time Warner com a participação dos roteiristas D. B. Weiss e David Benioff. Os premiados criadores debateram com Armando Ianucci, criador da série Veep, com Julia Louis Dreyfuss e Frank Rich, da New York Magazine.
O debate centrou-se sobre a importância da elaboração dos personagens. Pensados da forma mais humana possível, Game of Thrones apresentou-se como uma história de época com reflexos expressivos na realidade política atual. Veep, por outro lado, apóia-se no cinismo e no deslocamento que sentimos, do comportamento e das neuroses da modernidade.
Um grande desafio para os criadores e roteiristas hoje em dia é a necessidade de desdobrar o conteúdo em diversas plataformas, procurando trazer aspectos diferentes em ambientes digitais além do ambiente original concebido para a história: Game of Thrones foi criado como produto original da HBO como canal de TV a Cabo, mas ganhou site, Game, grupos de discussão e muito mais. Cada desdobramento contribui para acrescentar algo a história sem fazê-la perder a consistência.
Todos os criadores concordaram que no processo de elaboração, não pensam exatamente no que a audiência irá pensar ou como reagirá diante das cenas e da evolução do enredo. Pensam sim em como estão reagindo quando escrevem. O filtro do criador é buscar pensar no próprio contexto e torná-lo o mais aberto possível para acomodar as expectativas de milhões de pessoas de diferentes culturas.
Weiss define: “você deve pensar naquilo que faz e que mexe com você como pessoa. Ao fim e ao cabo, somos reféns de nosso contexto. E procuramos então ampliar o nosso contexto para que possa se conectar com as pessoas.”
Se está é a visão de criadores de um blockbusters de TV, como escritores puros, que precisam exercitar a arte de informar diariamente, podem então contar histórias? Maureen Dowd, colunista do New York Times e vencedora do Prêmio Pulitzer em 1999 pela série de reportagens do escândalo Mônica Lewinski durante a presidência de Bill Clinton, em uma conversa com Rebeca Eaton, Produtora Executiva do Masterpiece Theater and Mystery, que seleciona e transmite obras da TV britânica para o mercado americano. Enquanto Maureen precisa olhar para o mundo das pessoas comuns a procura de matéria prima para suas histórias, Rebeca precisa saber qual história irá funcionar em um mercado como o americano. Rebeca foi a responsável pelo lançamento de sucessos como Sherlock com Benjamin Cumberbatch e Downtown Abbey, melodrama de época muito elogiado pela força de seus personagens. As talentosas palestrantes foram as responsáveis pelo painel “Storytelling com criadoras de histórias”, acontecido no dia 17/06 no Festival de Cannes.
A conversas das duas incríveis mulheres foi recheada de tiradas espirituosas, bom humor e ideias interessantes sobre a arte de contar histórias. Rebeca disse que reconhecer uma boa história não é algo que se possa ensinar ainda que se possa tentar exercitar. “Temos de ter O senso mágico de reconhecer quais histórias são boas. É impossível ensinar. Sempre me perguntam: ‘Como você sabe quem é um bom contador de histórias’. Bom, eu simplesmente sei. É um feeling. É como estar diante de uma obra-prima”.
Rebeca e Maureen concordaram que é necessário conhecer a sua audiência. E num dado momento, ousaram uma provocação: “Estamos correndo tanto com nossas mentes que não reparamos que perdemos nossa capacidade de contar histórias”, disse Rebeca. E Maureen completou: ” Estamos focados em contar as nossas próprias histórias. Vivemos numa ansiedade moderna que provoca a desconexão entre as pessoas”. Maureen foi questionada sobre o fato de haver menos mulheres empenhadas na produção criativa em geral e na arte de contar histórias em particular. Calmamente ela afirmou não sentir qualquer diferença ou limitação ou prevalência de um gênero sobre outro. “Homens e mulheres são igualmente criativos”.
Afinal, o storytelling é um poder ou uma arte? É inegável que a humanidade hoje tem uma capacidade inesgotável de produzir histórias. A dificuldade está em criar conexões com as pessoas, trazer histórias para próximo das pessoas, ser relevante e trazer significado para as pessoas. Talvez isso exija um pouco de arte e um pouco de poder, ter instrumentos que viabilizem a criação de histórias instigante se interessantes. Mas sobretudo, há necessidade de um ingrediente fundamental, usado há eras, desde que o homem passou a desenhar em cavernas, para se expressar. Nenhuma história, cultural, notícia ou de marca pode prescindir de talento.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Inteligência de Negócios do Grupo Padrão
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