O Procon-SP anunciou preocupação com a modalidade de pré-pagamento eletrônico das contas de luz, regulamentada, neste semana, pela Agência Nacional de Energia Elétrica. A entidade acredita que o sistema potencializa a vulnerabilidade do consumidor por permitir a desconexão automática, descaracterizando a essencialidade do serviço e permitindo práticas de comercialização que poderão gerar abusos no mercado de consumo.
Nesse sistema, o consumidor poderá comprar “créditos de energia” (de, no mínimo, 5 quilowatt-hora (kWh), disponibilizados pela distribuidora de sua região, para uso residencial ou comercial – de forma semelhante aos serviços de telefonia. Para ser colocado em prática, contará com um novo medidor (eletrônico), que terá várias funções, como avisar o prazo de validade dos créditos, evitando cortes de luz. O regulamento prevê que a adesão será por opção dos clientes sem custo adicional, fora isso, garante o retorno ao sistema tradicional.
Para o Procon, a adoção desse meio de pagamento é uma mudança radical no atual modelo de negócio. A responsabilidade de ter ou não a continuidade do serviço de abastecimento de energia acaba sendo repassada ao consumidor, sendo um desrespeito pleno à natureza de serviço essencial.
Na visão da advogada Sheila Humphreys, professora de Direito da Faculdade Paranaense (FAPAR), é importante deixar claro que a adesão ao modo pré-pago é opcional: “Não é um sistema impositivo ao consumidor, podendo este continuar com a modalidade pós-paga atual, assim, não vemos desrespeito às leis do consumidor, nem a negação do Estado em fornecer à população um bem essencial”. Contudo, ressalta que os clientes devem ser instruídos pela Aneel, principalmente com relação aos impactos na fatura, caso o sistema seja implantado. “O consumidor não pode ser cobrado do conhecimento prévio de quantos kWh são necessários para alimentar energeticamente seus eletrodomésticos”, acrescenta.
Em nota, o Procon cita que quando a proposta foi colocada em audiência pública, a Agência de Energia relatou experiências semelhantes realizadas no Reino Unido, na África e Colômbia. Porém, apesar dos insistentes pedidos das entidades de defesa do consumidor, não foi apresentado à sociedade um estudo do impacto regulatório que demonstrasse a viabilidade do sistema no Brasil e um piloto foi feito em uma localidade em que o serviço de energia elétrica não chegava ao público.
Segundo o regulamento aprovado no dia 1ª de abril, as distribuidoras de energia decidirão por implementar ou não o sistema. Inicialmente, essas empresas podem escolher quais cidades ou regiões vão receber o serviço primeiro. Determina, ainda, que, ao ofertá-lo em um município, a concessionária será obrigada a implantar em toda a sua área de concessão.
José Antônio Domingues, do escritório Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados, vê chances de o sistema melhorar a performance das companhias, inclusive reduzindo seus custos (com leitura, entrega e impressão de faturas, por exemplo) e aumentando os lucros. Porém, não há garantias de que tais melhorias serão convertidas em benefícios aos consumidores. “A aplicabilidade destes projetos de controle de consumo (pré-pago) aos serviços públicos essenciais não se mostram adequados à solução dos problemas enfrentados pelo sistema. A gestão deve ter foco em prevenção, investimentos, educação e conscientização dos usuários consumidores, não em sua hipossuficiência”, finaliza.
O Procon afirmou que aguarda a publicação da norma do sistema para avaliar seus impactos, mas que não tem convicção sobre as vantagens da situação para os consumidores.