A sociedade omnicanal
- Por Ivan Ventura
- 33 min leitura
MUITOS CONSUMIDORES ainda têm na memória os maus bocados que passaram no SAC ainda no início pandemia. Pessoas foram obrigadas a aguardar por minutos e, por vezes, horas até serem atendidas por uma empresa – um fenômeno que era comum até meados de 2008 e antes do Decreto do SAC, norma que regula o relacionamento entre empresas e clientes. Com os chatbots não foi muito diferente. Alguns foram apresentados à sociedade de maneira precária e mais pareciam puxadinhos virtuais que complicavam a vida do consumidor em vez de ajudar.
Mas não se apresse em vilanizar a empresa. As companhias também tiveram os seus problemas na hora de se comunicar com o seu consumidor. Muitas áreas de atendimento foram parcialmente interditadas ou até mesmo fechadas, o que resultou em uma queda no número de atendentes.
A mesma dificuldade de comunicação abateu os órgãos de defesa do consumidor e o Poder Judiciário. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou a usar uma plataforma oficial de teleconferência para os julgamentos somente em junho do ano passado. Nos Procons, a situação foi ainda pior. Após fecharem as portas, muitos órgãos, sem dinheiro, improvisaram o uso de canais digitais. Houve uma espécie de precarização no atendimento.
EXCLUÍDOS
Esse foi o ponto de partida de mais uma edição de A Era do Diálogo 2021, desta vez discutindo o tema “A defesa do consumidor na era omnicanal”.
O tema é altamente pertinente, ainda mais diante da iminência do início de uma jornada pós-pandêmica após a vacinação em massa contra a Covid-19. Até pela importância do assunto, não seria exagero afirmar que toda a sociedade de consumo precisa entrar na era omnicanal.
Infelizmente, a sociedade omnicanal ainda é uma realidade distante, principalmente porque problemas antecedem a omnicanalidade. Um deles é o acesso à internet a todos os brasileiros.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25% da população brasileira não tem acesso à internet e um dos motivos é o financeiro: para algumas famílias, não há dinheiro para ter acesso à web.
Esse mesmo percentual inclui os idosos, sendo alguns deles excluídos por opção. E essa informação preocupa: muitos deles integram a sociedade de consumo, porém não têm acesso às mesmas informações ou sequer sabem como lidar com os novos horizontes digitais de consumo.
“Houve um apartheid entre aqueles que já estavam (inseridos no ambiente) digitais e os excluídos. Hoje, ainda temos muitos consumidores fora do mundo digital. É o caso dos idosos, que vêm encontrando problemas de acessibilidade e que não conseguem fazer algo simples, como trocar um cartão de crédito ou falar com o seu plano de saúde”, destacou Roberto Meir, publisher da revista Consumidor Moderno e CEO do Grupo Padrão, durante a abertura do evento.
O DAY AFTER DA PANDEMIA
Ao longo do evento, muitos painelistas destacaram as mudanças que ocorreram no day after da pandemia na sociedade de consumo.
Além da mudança de comportamento do consumidor, como o hábito cada vez mais digital, aconteceu justamente o inverso com alguns negócios. Muitos aguardaram a reabertura do comércio e resistiram à ideia de migrar para os canais digitais.
Infelizmente, não existem dados que associem a resistência de um empreendedor diante da transformação digital e o fechamento de lojas. O que se sabe é que entre os negócios que fecharam as portas na pandemia estão também aqueles que preferiram se manter analógicos. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), foram fechados aproximadamente 75 mil estabelecimentos.
“O consumidor se digitalizou e aprendeu a usar os canais eletrônicos desde o último ano. Nós tivemos ainda a criação de lojas de diversos comércios eletrônicos e aqui deixo um dado: na pandemia, elas apareceram quase que a cada minuto. Quem não enxergar isso, terá problemas”, explicou Meir.
Entre aqueles que seguiram a maré da transformação digital, o dia seguinte foi de um volume de interações grande – e em alguns casos foi até maior do que o período pré-pandemia.
No Itaú Unibanco, que já vinha de um intenso processo de transformação digital antes da pandemia, a principal mudança foi o crescimento expressivo de usuários digitais. “Foi algo impressionante para nós. Do total de clientes, 15 milhões de correntistas, que representam 60% da nossa base de clientes, são considerados puramente usuários de canais digitais em 2021. Isso é um aumento bastante expressivo quando comparamos os anos de 2019 e 2020”, lembra Leila Melo, diretora-executiva responsável pelas Áreas Jurídica e de Relações Corporativas do banco.
No Carrefour, o volume de interações também cresceu, principalmente no WhatsApp. “O nosso WhatsApp estava pronto desde 2019. No primeiro ano, tivemos 2 milhões de atendimentos. Em 2020, foram 10 milhões de atendimentos no ano. Foi um crescimento expressivo, muito relacionado à funcionalidade que colocamos lá: o status do pedido de e-commerce, a segunda via de fatura do banco Carrefour, a oferta das lojas e outras coisas”, lembra Fabio Bittencourt, diretor de Customer Service do Grupo Carrefour.
Na SKY, o crescimento no uso de canais digitais também foi impressionante. A empresa estima que 75% das interações com os consumidores já acontecem exclusivamente nos canais digitais. Ao que tudo indica, essa migração de canal analógico para digital pode não ser passageira.
“Hoje, do total de contatos com os nossos consumidores, diria que apenas 25% acontecem nos canais com um humano do outro lado. Os canais digitais têm feito a diferença na companhia. E eles valem tanto para os nossos canais de atendimento quanto para os canais de assistência e de outras questões técnicas”, explica Evani Montechesi, diretora de Atendimento ao Cliente da SKY.
Essa migração em massa para os canais digitais, segundo as empresas, também não foi fácil para o consumidor. No Itaú Unibanco, por exemplo, aconteceu um movimento bem curioso. Um grupo expressivo de clientes ligou para o SAC para entender como funcionava o canal digital. O esforço valeu a pena. O consumidor aprendeu que muitas dúvidas poderiam ser resolvidas no canal digital.
LOGÍSTICA: O PRÓXIMO GRANDE DESAFIO
Preço e qualidade são conhecidos fatores que influenciam a decisão do consumidor na hora da compra. No e-commerce, há um novo fator: o tempo de entrega de um produto.
A logística virou um assunto obrigatório entre os varejistas e, nos últimos meses, tem sido usada como mote publicitário para arrebanhar mais consumidores.
Recentemente, players internacionais como Amazon, Aliexpress e outros fizeram uma disputa sobre quem faz a entrega internacional mais rápida do planeta. Atualmente, as empresas afirmam que alguns produtos comprados na China chegam ao Brasil em até 15 dias. Isso é um salto gigantesco para o e-commerce mundial. Até pouco tempo, a maioria dos produtos demorava de 30 dias a alguns meses para chegar à casa do consumidor.
O Mercado Livre também entrou na disputa da logística. “No fim do ano passado, a nossa meta era uma entrega em dois dias. Chegamos lá. Depois veio a entrega no dia seguinte. Hoje, na Grande São Paulo, Grande Florianópolis e Região Metropolitana de Salvador, temos a entrega no mesmo dia. A empresa vai se adaptando de acordo com a necessidade do usuário”, disse Humberto Chiesi Filho, diretor jurídico do Mercado Livre.
Segundo ele, a ideia é expandir a entrega no mesmo dia para outros centros urbanos do País. Para isso, a empresa vai destinar para a logística uma fração generosa de R$ 10 bilhões de investimentos para toda a companhia nos próximos anos.
Na Via Varejo, que detém as marcas Casas Bahia e Ponto (antigo PontoFrio), a logística, que já era importante, tornou-se ainda mais vital para o core business da companhia na pandemia. “Os nossos transportadores não suportavam a carga de produtos, pois, do dia para a noite, passaram a entregar tudo o que não entregavam, caso da batedeira e do liquidificador. Esse período de adaptação foi até julho. Depois estabilizamos todos os canais”, lembra Edinelson Santos, diretor de Atendimento ao Cliente Via Varejo.
Para quem vive da logística, há muitos motivos para celebrar. De acordo com a Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL), as 275 empresas consultadas somam R$ 100 bilhões de faturamento em 2020, crescimento de 23% na comparação com o último levantamento feito em 2018.
Esse crescimento acabou impactando outro setor e de maneira expressiva: as montadoras de veículos. Em maio deste ano, o setor chegou a registrar 15,7% de aumento da venda de caminhões, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
“Nesse sentido, a central de atendimento telefônico passou a ter um papel adicional, que era o de ensinar o cliente a usar os nossos canais digitais. O canal cresceu e eu vou te dar um dado do nosso assistente virtual via chat: 95% das conversas já são resolvidas e ficam no chat”, celebra Andrea Carpes Blanco, diretora de Atendimento ao Cliente do Itaú Unibanco.
Para algumas empresas, todo o esforço digital antes ou depois da pandemia já foi recompensado. Além do aumento do engajamento do cliente, já existem relatos de aumento no faturamento.
“O GPA sempre foi muito inovador, temos trabalhado o e-commerce há muitos anos. Mas, dois anos atrás, nós movimentávamos cerca de R$ 360 milhões por dia e, no ano passado, nós atingimos R$ 1,1 bilhão de faturamento no e-commerce alimentar. A pandemia acelerou, obviamente, o crescimento do e-commerce e das vendas do Pão de Açúcar. Mas entendemos que os esforços do GPA foram essenciais para que a empresa atingisse essas cifras, esses patamares. Essa nossa estratégia se tornou principal na empresa e hoje já pensamos nela não como alternativa, mas como centralidade”, destaca Rodrigo Pimentel, diretor de E-commerce do GPA.
“Aqui dizemos que até o departamento jurídico alterou a forma de olhar para o consumidor (com a pandemia). E não só ele. Mudou o relacionamento com outras áreas das empresas. No passado, o marketing era uma afronta ao jurídico e vice-versa, mas houve desenvolvimento a partir de um novo olhar para o consumidor. É cada vez mais um trabalho multi-skilled, conosco, do jurídico, dando asas à imaginação das áreas de criação. Hoje, é uma convivência saudável. Além disso, era difícil o comercial perto do jurídico. Hoje, a própria força dos órgãos de defesa do consumidor trouxe uma mudança de perspectiva, de desejo – o consumidor dá a diretriz”, afirma a diretora jurídica de Relações com Consumidores e ODC do Grupo Oi, Elen Marques Souto La Croix.
RECLAMAÇÕES E A CONSUMIDOR.GOV.BR
O aumento na quantidade de contatos, citado anteriormente, teve repercussões dentro da defesa do consumidor. Apesar dos esforços das empresas, o atendimento no SAC foi uma das principais queixas dos brasileiros no último ano.
Segundo dados da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), houve, na média, um aumento de 66% de queixas contra o SAC na comparação entre 2019 e 2020. Nos setores da economia, o maior crescimento ocorreu nos bancos com um aumento de mais de 200%.
A explicação para a queda na qualidade do SAC não é algo simples e está relacionada a diversos movimentos que ocorreram na pandemia. O maior deles foi o funcionamento com limitações e até o fechamento total de alguns call centers, mesmo sendo um serviço considerado essencial para a sociedade – o que, em tese, garantiria o seu funcionamento.
Isso reduziu a quantidade de atendentes e aumentou o tempo de espera do consumidor no telefone ou em outros canais. O resultado foi um aumento de queixas nos órgãos de defesa do consumidor.
Diante desse cenário, a Senacon pressionou as empresas e determinou que praticamente todos os setores da economia utilizassem a plataforma Consumidor.gov.br, inclusive sob pena de multa. Até as redes sociais como Facebook e Instagram precisaram entrar na “Gov”.
As medidas ajudaram no crescimento da plataforma, mas nem sempre foi assim. Antes dessas medidas, o crescimento foi orgânico e tímido.
Para Daniele Cardoso, coordenadora-geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, esse crescimento orgânico não foi ruim, pois respeitou os limites da própria secretaria. “Acho que os Estados brasileiros têm feito um trabalho de divulgação da plataforma nos últimos anos. Quando a lançamos, inicialmente, a expectativa era de que iríamos bombar, de uma hora para outra. E graças a Deus não ‘bombamos’, porque a gente não iria dar conta”, afirma.
No entanto, os convidados afirmaram que a plataforma precisa realmente decolar em popularidade, ainda mais com a inclusão de novos consumidores digitais. É o que afirma Juliana Pereira, primeira secretária Nacional do Consumidor e coautora da ideia.
“Ela precisa ser mais divulgada, mas um tipo de divulgação mais sofisticada. Divulgações como a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) faz. Então, quando um órgão regulador estabelece metas e padrões, utiliza a plataforma como indicador oficial para os seus regulados; é uma forma de estímulo para que se trabalhe com a Consumidor.gov.br. O Estado brasileiro precisa assumir a plataforma. E o Estado brasileiro leia-se órgãos e agências reguladoras”, argumenta.
Para o diretor de Relações Institucionais da Vivo, Enylson Camolesi, independentemente do tamanho do crescimento da plataforma, a “Gov” vem cumprindo o seu papel na sociedade. “Ela foi bastante inovadora, por você não ter intermediação humana. E, como toda ruptura cultural, você tem um tempo de adaptação. Eu acho que esse tempo está sendo contado em anos. Agora, acho que a sociedade, cada vez mais, acredita na plataforma. Hoje, nós (Vivo) estamos entregando 93% de resolução. Acreditamos na plataforma e consideramos que a judicialização é um custo adicional.”
A ARBITRAGEM DE CONSUMO: VIÁVEL OU NÃO?
O tema “Solução de conflitos extrajudiciais e a desjudicialização” é recorrente nos diversos painéis de A Era do Diálogo. Este ano, a novidade foi a inclusão de uma ideia chamada arbitragem de consumo.
Para quem ainda não conhece, a arbitragem integra o tripé de formas de solução de conflitos extrajudiciais ao lado de mediação e conciliação.
Na mediação, o consumidor e a empresa tentam fazer um acordo com a participação de uma terceira pessoa sem nenhuma ligação com uma das partes. Sobre a conciliação, talvez o melhor exemplo seja a plataforma Consumidor.gov.br.
Já a arbitragem de consumo seria a novidade dentro das relações de consumo. Embora esteja prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), há entendimentos jurídicos que limitam o seu uso. No entanto, a técnica é muito popular na solução de conflitos entre empresas e até dentro do poder público.
Hoje, no formato usado no mundo corporativo, a arbitragem é uma negociação, com a presença de um árbitro, feita a portas fechadas. Até por isso, o resultado nem sempre é público.
Um dos defensores da ideia é Luciano Timm, advogado e ex-secretário Nacional do Consumidor. “É interessante começar (o debate) pelo que não pode. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe cláusulas arbitrais em contratos de adesão que retirem do consumidor a possibilidade de uso do Sistema Público Judiciário. No entanto, a arbitragem, se o consumidor quiser, não é proibida. Podemos imaginar uma arbitragem coletiva no País, assim como já ocorre em alguns países anglo-saxões, onde há uma associação de consumidores contra uma empresa ou uma associação de empresas. Isso tem gerado bastante redução de litigiosidade. Há, ainda, a arbitragem de consumo individual”, afirma.
A arbitragem individual de consumo também é defendida por Timm, porém ele faz ressalvas quanto à iniciativa. Hoje, as ações consumeristas envolvem valores mais baixos, normalmente entre três ou quatro dígitos. Isso inviabilizaria essa modalidade de negociação justamente pelos custos envolvidos na arbitragem.
“Deveríamos pensar em como financiar essas arbitragens de consumo. Poderíamos optar apenas pela arbitragem coletiva ou por modelos financiados pelo Poder Público, assim como já acontece na Argentina, que hoje é de responsabilidade do Ministério da Justiça argentino. Ou podemos pensar no exemplo de Portugal, onde as arbitragens tributárias também são financiadas, digamos assim, pelo setor público”, explica.
RESOLUTIVIDADE
O debate sobre a resolutividade das demandas dos consumidores é outro assunto sempre obrigatório dentro de A Era do Diálogo. Este ano, o tema ganhou uma nova dimensão a partir do aumento dos conflitos nos canais digitais. Agora, é hora de resolver o problema do consumidor na internet.
Nesse sentido, a pedra fundamental dessa discussão foi o novo Decreto do SAC, norma que regula o atendimento ao cliente de setores regulados da economia. Originalmente criada em 2008, a norma passou por mudanças e será reapresentada à sociedade até o fim de agosto.
A principal mudança do novo decreto é a criação de ferramentas orientadas à resolutividade. Uma delas é que o novo decreto deverá extinguir a regra do atendimento telefônico em até 1 minuto. A norma também vai criar regras de atendimento para os canais digitais e reforçar o uso da plataforma Consumidor.gov.br.
Celso Tonet, diretor de Atendimento ao Cliente da Claro, participou dos debates do primeiro decreto e afirma que, no geral, a norma deu ótimas contribuições para a sociedade de consumo.
“Vale um comparativo sobre a realidade em que vivemos hoje e a situação em 2008 – quando houve o lançamento do Decreto do SAC. Tínhamos um grande desafio que era dar acesso ao cliente para conseguir falar com as empresas. Esse propósito foi cumprido ao longo dos anos. Vemos queda significativa nas reclamações nos canais em relação ao falar com a operadora. Já não temos mais o problema de falar com as empresas. Agora, o debate é abrir caminhos para os canais digitais”, lembra.
Outra novidade presente no novo Decreto do SAC é a possibilidade de as agências reguladoras criarem regras específicas de atendimento para os seus respectivos setores da economia, ou seja, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) poderá criar um sistema de atendimento exclusivo para as telecomunicações. O Banco Central ou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), dentro do seu modelo de autorregulação, vai criar as próprias regras e assim por diante.
Empresas aprovam a participação das agências reguladoras no debate. Por outro lado, entidades de defesa do consumidor veem a medida com preocupação. “Preciso ser muito honesto na minha fala. É realmente uma preocupação para mim se couber (a regulamentação do atendimento) aos órgãos reguladores. A experiência do Procon São Paulo com os órgãos reguladores não tem sido das melhores. Temos uma ação civil pública contra uma das reguladoras – Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – por causa do reajuste dos planos de saúde coletivos. Penso que o órgão regulador regula a competitividade e a aderência geral ao mercado”, afirma Guilherme Farid, chefe de Gabinete do Procon São Paulo.
O novo decreto deverá incluir um índice oficial do governo de resolutividade das demandas, que também será uma novidade na defesa do consumidor. Por ora, sabe-se muito pouco sobre as informações que serão avaliadas. Uma das poucas certezas será a presença de informações da Consumidor.gov.br e do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec).
Até por esse motivo, o debate está aberto e executivos das empresas que participaram de A Era do Diálogo comentaram sobre o assunto. Monique Bernardes, ouvidora do banco Santander, defendeu a inclusão do first call resolution ou, simplesmente, a solução logo no primeiro contato.
“É a ‘resolutividade na hora’. E veja: o first call pode ser um ‘não’ para o consumidor, mas desde que seja esclarecedor, acolhedor e dando alternativa. Muitas vezes, o cliente chega com uma reclamação, mas que, no fundo, é uma dúvida. Então, sobre o tema do novo indicador, penso que temos como referência a Consumidor.gov.br e o first call”, afirma.
REGULAÇÃO ATRAPALHA?
O avanço do debate sobre o Decreto do SAC e outras regulações dentro das relações de consumo também suscitaram debates sobre a sua eficácia. Não é de hoje que setores da economia como os bancos adotam o modelo de autorregulação, ou seja, as empresas combinam uma nova postura. O setor de telecomunicações também começou a trilhar o mesmo caminho.
No fundo, executivos e autoridades públicas não são contrários às regulações de uma maneira geral. Há, no entanto, críticas à maneira como as leis são discutidas e aprovadas.
Segundo Juliana Domingues, secretária Nacional do Consumidor, a regulação deve olhar sempre para todos os mundos envolvidos nela. “Temos o consumidor que nasceu ou migrou para o digital, mas precisamos pensar em todos os perfis. Precisamos adaptar a regulação para que atenda a esse novo perfil, mas que não esqueça aqueles outros, que são analógicos. Somos um País com diferenças regionais e sociais”, explica.
Por outro lado, há dúvidas se todos os setores da economia estão realmente prontos para ter menos regulados ou até promover a autorregulação.
“A sensação que eu tenho, e é a mesma da Anatel, é que nem todos os benefícios trazidos pelas tecnologias e pela inovação estão apropriados para o consumidor. Isso do ponto de vista de processos de atendimento das empresas. O consumidor quer um processo mais efetivo e simples. Essa simplicidade não pode estar apenas nos pacotes e serviços. As empresas precisam avançar em como a omnicanalidade se materializa na simplicidade dos processos”, comentou.
Para as empresas, estar em compliance com as leis é mandatório, mas não podem limitar suas ações ao exclusivo cumprimento da lei. É o que afirma Marcelo Picanço, CEO de Seguros da Porto Seguro.
“A regulação nunca foi impeditiva (para a boa experiência do cliente). Pelo contrário. As exigências ocorrem no sentido de aprimorar a competição no País. Isso garante que o nosso setor esteja sempre à frente das necessidades do consumidor. Por outro lado, a empresa não pode ficar atrelada ao padrão mínimo estabelecido pela lei. No fim, ela vai ficar fora do mercado. As grandes empresas têm oferecido acima do que determina o regulador”, afirma Picanço.
Fabio Bittencourt, diretor de Customer Service do Grupo Carrefour Brasil, tem uma opinião parecida com a de Picanço. “O principal ponto é ir além da regulamentação. É algo extremamente necessário por uma questão de posicionamento estratégico e competitividade. Aqui, costumamos brincar: ‘Você quer ter razão ou ser feliz?’ Se quer ter razão, vai gerar o litígio e esse não é o caminho. Queremos ser felizes. Queremos fidelizar e gerar a recorrência. Temos uma estatística muito interessante em que 80% dos nossos elogios partiram de uma reclamação”, explica.
Sobre o papel das agências reguladoras no papel de regulador, quase não houve críticas. André Luiz Trindade Rosas, diretor-executivo de Relacionamento do Hapvida, elogiou o modelo de regulação da ANS e afirmou que ele é exemplar. “De fato, nós somos extremamente regulados pela ANS. Mas a experiência brasileira é bem-sucedida, um case mundial, pois garante a segurança tanto para o usuário comum quanto para o funcionário da empresa. Ela é atuante em diversos sentidos, inclusive na fiscalização. A nossa regulação é extremamente competente”, afirma.
Assim como aconteceu nos anos anteriores,
A Era do Diálogo 2021 premiou as empresas que se destacaram na resolução de conflitos com os consumidores.
Para chegarmos aos vencedores, foi utilizada uma metodologia exclusiva do Centro de Inteligência Padrão (CIP), que avaliou a redução do litígio nas relações entre as empresas e os consumidores no ano de 2020, contando com a coleta e a avaliação quantitativa dos dados de dois canais principais:
• Informações de atendimento da plataforma Consumidor.gov.br.
• Demandas registradas nos órgãos de defesa do consumidor, os Procons.
Nesta edição, o único critério para participação no reconhecimento foi o cadastro da empresa na plataforma Consumidor.gov.br; não houve processo de inscrição.
Confira os vencedores:
Claro – Net
Sky
TIM
LG ELECTRONICS
NetShoes
Vivo
Panasonic
Oi Celular
Claro Telefonia
Pão de AçÚcar
Nubank
PayPal
Mercado Pago
Sem Parar
Porto Seguro
Via Varejo
Serasa Experian
Azul Seguros
Camicado (Grupo Renner)
Samsung
SEGURANÇA DIGITAL E LGPD
A Era do Diálogo deste ano também foi palco de temas que passaram a fazer parte do universo das relações de consumo. A proteção de dados é um desses temas.
No início de agosto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em uma nova e definitiva fase: a aplicação de multa. Até então, a Lei estava em vigor, porém a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), uma espécie de agência reguladora sobre o tema, não poderia aplicar nenhum tipo de sanção. Isso vale para Procons, que podem realizar atos administrativos com base na norma.
Em linhas gerais, a LGPD prevê diversas punições, sendo a mais conhecida a multa de 2% do faturamento bruto de uma empresa, limitado ao teto de R$ 50 milhões. No entanto, há sanções ainda mais severas. A norma prevê a suspensão do uso de um banco de dados da companhia por um determinado tempo, o que, para alguns negócios, é o mesmo que interromper a atividade econômica.
Especialistas apontam que o uso da norma será intenso dentro das relações de consumo e, claro, dentro da defesa do consumidor. Nesse sentido, temas como segurança cibernética ganham espaço na vida dos clientes.
“Hoje, há ataques, hackers e quadrilhas que roubam celulares para hackear bancos. Então, não tem como avançarmos em tecnologia sem olhar a segurança e a qualidade ao cliente. Tudo o que a gente faz no next (produtos, serviços e app) passa, constantemente, por uma seção de segurança e testes sobre as oportunidades que os hackers possam ter”, afirma Sandra Felgueiras, head de Customer Services do banco digital next.
Segundo Danilo Doneda, advogado e especialista em Direito Digital, há ainda um outro desafio: divulgar a Lei para todos os consumidores. “Temos que aumentar o patamar de legitimidade da lei de proteção de dados, gerando, assim, a confiança do cidadão e a consciência no sentido de que as pessoas vão ter que defender os seus direitos. Caso elas sejam prejudicadas ou desrespeitadas com base na lei, elas terão uma estrutura jurídica opcional para resolver o problema e não apenas a saída do Judiciário”, disse.
Para a diretora jurídica da AeC, Flávia Tomagnini, a ampla divulgação da Lei depende de uma mudança cultural orientada à proteção de dados. Ela lembra que isso já existia na Europa antes da aprovação da norma europeia que protege as informações pessoais, conhecida por General Data Protection Regulation (GDPR).
FAZ UM PIX?
Outro tema que passou a orbitar a defesa do consumidor foi o Pix, a tecnologia de transferência de dinheiro de forma instantânea. Somente em julho, foram realizadas mais de 750 milhões de transações por meio da tecnologia, com uma movimentação de mais de R$ 413 milhões.
Amaury Oliva, diretor de Autorregulação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e mediador do evento, iniciou o encontro destacando a revolução em curso na maneira de transacionar valores e até na mudança de comportamento do consumidor.
“A ferramenta se tornou algo além do pagamento instantâneo. Ela é o ponto de partida de um ousado plano nacional de inclusão de milhões de brasileiros ainda ‘desbancarizados’ e que estão longe da economia formal. Há quem diga que ele vai ser o novo paradigma de novos modelos de transações e até revolucionar bastante as relações de consumo.”
Flavia Janini, head de Produtos e Serviços Transacionais do BTG+, o banco digital do BTG Pactual, afirma que o Pix se tornou uma das principais tecnologias de contactless disponíveis no País em pouco tempo. E ele surgiu em um momento importante: o distanciamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus.
“Ele surgiu com uma determinada expectativa e, hoje, alcançamos um resultado muito acima do esperado. Ele já mudou a vida do consumidor, inclusive do ponto de vista de comportamento. Virou bordão falar ‘faz um Pix para mim’ ou ‘passa um Pix’. Isso se deve ao rápido alcance da tecnologia, que está conseguindo levar serviços para novos lugares, como é o caso do saque. Antes, o cliente tinha que se deslocar para outra localidade. Agora, ele faz isso em qualquer estabelecimento”, explica.
Outra contribuição do Pix está na jornada do cliente. É, sem dúvida, uma solução feita a partir da ideia de customer experience.
“Há facilidade na transação digital, o que não acontecia antes. Você pedia os dados da agência bancária, os dados da conta, o CPF e ainda precisava lembrar o número do banco. Então, muita gente entrava no Google e só assim realizava a transferência. Com o Pix é muito mais rápido. Fico lisonjeado em ter vivido este momento e ter feito parte dos debates sobre a tecnologia ao lado do BCB, da Febraban e de todos os órgãos envolvidos”, explica Daniel Freire, diretor de TI do Banco Bmg.
TELEMEDICINA
Outro “produto” que surgiu na pandemia e entrou no escopo de debate das relações de consumo foi a telemedicina. De acordo com dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), mais de 3 milhões de pessoas usaram o atendimento por vídeo – e a maioria gostou do que viu.
Sheila Mittelstaedt, head de Life Science and Healthcare da KPMG, avalia que a regulação, mesmo às pressas, fez bem para a visibilidade do Brasil. A autorização da telemedicina em março do ano passado chamou a atenção de investidores estrangeiros, que já pensam em fazer negócios no Brasil. E até mais.
“Novos players de saúde globais começaram a olhar para o mercado brasileiro, com interesse gigante em instituir telemedicina aqui no Brasil. Operadoras do Japão e da Austrália, por exemplo, querem adquirir os players daqui com foco fortemente em telehealth. Entendemos que é um nicho de negócio que oportuniza uma receita absurda, uma vez que a omnicanalidade praticamente vai se tornar obrigatória e um hábito no País”, afirma.
A transformação digital também colocou o consumidor da saúde suplementar no centro do negócio e ainda afastou de vez o hospitalocentrismo. “A regulação teve uma mudança de mentalidade. Antes, havia uma certa orquestração de mercado muito ‘hospitalocêntrica’. Era muito focado na demanda e no conselho de médicos. Mas isso começou a mudar. Se eu pegar a minha base de clientes, cerca de 85% dos casos estão sendo resolvidos sem o presencial, ou seja, tudo com telemedicina. E o que a gente notou? 85% das pessoas que ficam 12 horas na fila de um hospital não precisariam estar lá.”
O tema da omnicanalidade ainda resvalou em temas como a regulação da inteligência artificial, que é um assunto ainda embrionário, mas deve crescer em importância em pouco tempo. Muito provavelmente iremos debater o tema no próximo evento de A Era do Diálogo 2022, assim como os desdobramentos da LGPD, agora com a multa, e a aplicação do novo Decreto do SAC. Tudo isso envolto a outro ingrediente importante: as eleições presidenciais em 2022. Até o próximo ano!
A pandemia evidenciou que toda a sociedade teve problemas com a digitalização em massa nas relações de consumo. Empresas, consumidores e até Procons precisam aprimorar o uso de canais digitais para que possam dar o passo seguinte: orquestrar essa comunicação a partir de uma ideia chamada omnicanalidade. Mais do que digitais, as nossas relações precisam ser mais fluidas.
Lei Geral de Proteção de Dados
A LGPD entrou em uma terceira fase no início de agosto: a aplicação da multa. Depois de três anos, a norma entra em um momento crucial, e as empresas precisam ficar atentas. Uma das punições prevê uma multa de até 2% do faturamento bruto, limitado ao teto de R$ 50 milhões. Há, no entanto, algo ainda mais severo: a suspensão do uso do banco de dados da empresa, o que, na prática, é quase a mesma coisa que interromper a atividade de uma companhia.
Decreto do SAC
A norma que regula o atendimento ao cliente nos setores regulados (bancos, telecomunicações e outros) existe desde 2008, mas está passando por uma reformulação. Uma das novidades é extinguir a obrigatoriedade do atendimento em até 1 minuto. Por outro lado, a lei trará avanços como a inclusão de um indicador de resolutividade oficial. Está prevista, ainda, a manutenção da obrigatoriedade do humano no atendimento telefônico e uma regulação para o uso de canais digitais.
Inclusão digital
Do total de brasileiros, 25% são os chamados “excluídos digitais”. A lista inclui os idosos, que representam uma parcela significativa dentro da sociedade de consumo e precisam ser incorporados à comunidade digital.
Telemedicina
Está em vigor uma norma provisória que autoriza a telemedicina. O debate agora é criar uma lei definitiva, que poderá acontecer por dois caminhos: Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Congresso Nacional. O futuro do atendimento ao consumidor e até dos planos de saúde passa pelo desenvolvimento desse modelo.
Pix
Em sete meses, o Pix saiu de uma tecnologia de transferência de dinheiro instantânea para se tornar a base de um novo modelo financeiro em construção. É preciso acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, pois dela sairão inovações e até os problemas que impactam a defesa do consumidor.
Desjudicialização
O tema não é novo, mas ganhou uma nova perspectiva a partir da pandemia. Hoje, existem plataformas digitais que facilitam a negociação por meio da conciliação, mediação e que poderá incluir a arbitragem. O tema interessa ao Judiciário, que torce pelo fortalecimento das soluções extrajudiciais.
Logística
O tempo de entrega virou um fator decisivo de compra na vida do consumidor. E-commerces já sabem disso e têm feito investimentos para que o produto chegue o mais rapidamente possível na casa do consumidor. Quem entrega primeiro, ganha o coração do consumidor.
Recomendadas
+ CONTEÚDO DA REVISTA
Rua Ceará, 62 – CEP 01243-010 – Higienópolis – São Paulo – 11 3125 2244
Rua Ceará, 62 – CEP 01243-010 – Higienópolis – São Paulo – 11 3125 2244