Sobre chocolates, percepções e jornadas
- Por Jacques Meir
- 6 min leitura
NO PRINCÍPIO E NO FIM, falar sobre a “experiência do cliente”, corporativamente conhecida como CX (do inglês “Customer Experience”), tem a ver com gestão. Clemente Nobrega sempre chama a atenção para isso. “Gestão de pessoas”, “gestão de marketing”, “gestão do relacionamento com clientes” e “gestão da experiência” são apenas desdobramentos para conferir mais relevo às atividades e às áreas de negócios nas organizações. Experiência do cliente, assim, é consequência de uma gestão que acredita e defende uma visão orientada no cliente.
Por trás dessa simplicidade, há uma enorme complexidade. Vamos aos fatos: está cada dia mais difícil “gerenciar” clientes. Os resultados do Prêmio Consumidor Moderno de Excelência em Serviços ao Cliente 2021 demostram esse fato claramente. Não apenas o indicador geral mostrou uma queda expressiva (veja na página 32), mas vários outros dados mostram o quanto essa amostra de empresas, das mais representativas e icônicas do País, apresenta um incrível espaço de melhora na oferta de uma experiência mais consistente e envolvente para os seus clientes e consumidores.
Há muita falação em torno da necessidade de as marcas serem “autênticas”, defenderem “causas e propósitos”, serem fiéis a valores nobres como diversidade, sustentabilidade, educação, inclusão – tudo A pandemia trouxe um agravante para a complexidade e um componente de aceleração de mudanças: a digitalização desenfreada e intensa por parte dos consumidores. Não se trata apenas de acessar lojas on-line para comprar qualquer coisa; antes sim, vimos uma experimentação explosiva do que a realidade mediada por telas pode proporcionar, na busca por produtos, no relacionamento interpessoal, em consultas médicas, cursos, reuniões, aulas e no contato com as empresas. Quando olhamos para o atendimento, podemos claramente identificar a segunda fase do processo de exponencialização. Já volto ao ponto. Antes, vale destacar que a exponencialização, conforme definida por Ray Kurzweil na “Lei dos Retornos Acelerados” passa por seis fases: digitalização, desengano (ou desencanto), disrupção, desmaterialização, desmonetização e democratização. Em 2020, vimos o atendimento e a interação entre empresas e clientes migrarem ostensivamente para canais digitais – digitalização. Os resultados do Prêmio Consumidor Moderno claramente retratam o segundo estágio – desengano ou desencanto, uma vez que os indicadores parecem mostrar que o digital não melhorou de fato a experiência do cliente.
Esse é o ponto de inflexão estratégico. Como toda disrupção, o movimento acontece lentamente e, então, repentinamente se acelera, porque a adoção já aconteceu. Parece que nada funciona muito bem, mas a incorporação de melhorias ocorre de maneira acelerada, o que indica que o atendimento digital está no limiar da disrupção. E aí, quando se estabelecer de fato, haverá uma desmobilização gigantesca de ativos (fase de desmaterialização), brutal redução de custos (desmonetização) e imensurável ganho de escala (democratização). Quanto tempo esse processo irá levar? Um punhado de anos, se tanto.
O que é possível aprender, contudo, desse conjunto de indicadores e insights trazidos pela imersão digital? Primeiramente, é necessário – imperativo – até abandonar a zona de conforto passiva de “aguardar” a manifestação do cliente. Empresas devem assumir protagonismo e se colocarem ativamente em posição de diálogo frequente com seus clientes. A experiência precisa ser proativa e constantemente alimentada por ações que criem impressões – sensoriais ou perceptivas – no cliente em cada etapa do relacionamento. Muito se fala em fluidez, redução de pontos de atrito ou “frictionless”, porém esses conceitos são ainda prioritariamente reativos. Experiência é sobre tomar a frente e propor a conversa, estimular uma reação positiva do cliente. Isso significa rever os acordos tácitos e implícitos na comunicação, na interação, na transação e no engajamento entre as partes.
Cada empresa e cada oferta em si embutem e propõem acordos diferentes com seus clientes, necessariamente ancorados nas expectativas deles. Quantas empresas se dispõem a criar frameworks sobre ajustamento de ofertas e expectativas em cada etapa da jornada transacional/relacional, tendo como princípio uma experiência uniforme que traga um ou dois momentos de pico (surpreendentes), inesperados e capazes de gerar uma sensação francamente positiva e espontânea dos clientes?
Um exemplo prosaico de como é possível ajustar o acordo e as expectativas é o chocolate em cima do travesseiro oferecido para o cliente quando ele entra no quarto de um hotel. Parece uma tolice, e muitos irão se perguntar qual é o custo de deixar um mero chocolate no travesseiro multiplicado pelo número de hóspedes etc. Pois bem: os números (sempre eles) mostram que o chocolate no travesseiro é consumido por mais de 80% dos hóspedes e cria uma percepção positiva da estadia. Acompanhado de uma garrafa de água como cortesia, então, é um gol de placa. À parte estarmos distantes de uma experiência em hotéis nesse momento da pandemia; a ideia é ilustrar como um acordo – estadia confortável e agradável – pôde ser revisto com ganhos perceptivos relevantes, com uma ação simples e proativa.
Atualmente, as empresas estão às voltas com seus fluxos de bots, processamento de linguagem natural e uniformidade de canais, enfocando o problema da experiência do cliente a partir da tecnologia. É um erro comum, tanto quanto pensar em “atendimento” para um cliente que quer experiência. O enfoque sempre deve partir da pergunta: que acordo estabeleço com meu cliente a partir da expectativa dele e como posso ser protagonista nessa interação? Qual é o chocolate que você irá colocar no travesseiro para criar um momento de pico, inesperado e gratificante para o consumidor, a pessoa que se predispôs a fazer negócio com a sua empresa?
Sim, iremos assistir à exponencialização e vivenciá-la na experiência do cliente, e isso irá acontecer com uma aceleração vertiginosa de novas tecnologias. Nenhuma delas, porém, terá o poder de criar a percepção inigualável de empatia, surpresa e indulgência que o consumidor espera se a jornada for apenas uma sucessão monótona de fluxos entre canais digitais. Em outras palavras: o digital só se legitima, de fato, com o elemento humano. Eis aí um princípio para nortear uma gestão eficiente.
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