A experiência do refúgio em um mundo perigoso
- Por Jacques Meir
- 5 min leitura
Ficamos assim: repentinamente enclausurados, vimos gente que foi fazer pão, outras que resolveram se livrar de roupas e objetos usados, outros mais que tiveram de aprender a conviver com a família durante a semana, em habitações minúsculas, grandes apartamentos ou em casas na praia. Milhões de pessoas foram levadas ao home office e, agora, quando já estamos em boa parte reconectados à vida social, muitos ainda preservam a vontade de manter a experiência em seus refúgios cuidadosamente modelados por quase dois anos de pandemia.
A vida na bolha é uma das principais tendências de comportamento da atualidade. Não se trata apenas de evitar deslocamentos longos entre casa e trabalho por conta do trânsito puxado das grandes metrópoles. É também ficar em casa com uma roupa confortável, com o café no ponto certo a qualquer momento, a segurança do lar e uma vontade legítima de não encarar os riscos externos: os vírus, a insegurança das ruas, a guerra, lidar com as pessoas e suas neuroses, falar de política em ano eleitoral polarizado… Sair para que mesmo?
Essa propensão à zona de conforto ainda vai trazer sequelas mais profundas. Por enquanto, parece parte do folclore desses tempos incertos. Ao mesmo tempo, ainda que as pessoas estejam no conforto (muitas vezes relativo) dos seus lares, é impossível evitar a carga de informação que chega de todos os lados. Em uma era digital, quem resiste a uma espiadinha no Instagram, no site de notícias preferido ou nos trending topics no Twitter? É essa exposição continuada à informação que alimenta a insegurança e faz muita gente querer ficar mais tempo em sua bolha e, dentro dela, buscar algum refúgio deste mundo louco.
Começamos com séries, depois lives, depois cozinha, vídeos e coreografias no TikTok, começamos a sair de casa, a ir timidamente para o cinema, a arriscar uma viagem, quem sabe uma estadia na praia? Agora praticamos o trabalho híbrido, uma esquisitice que faz todos nós sermos como taberneiros ou carpinteiros de séculos passados que trabalhavam e moravam no mesmo lugar, subvertendo o que o trabalho tem de mais gratificante: o relacionamento e a troca interpessoal, a mudança de ambiente e a exposição ao risco derivado justamente da necessidade/obrigação de sair todo dia para exercer uma atividade produtiva. Até a ideia de que o ato de consumir precisava ser uma experiência (um must absoluto e indiscutível), a grande experiência da vida era trabalhar fora. Conhecer novos colegas, fazer amizades, expandir o universo conceitual e cognitivo, buscar alguma recompensa, tudo isso era parte da experiência da “vida adulta”.
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Mas agora, com a vida na bolha, podemos ter mais tempo e foco na busca de experiências diferentes e excitantes em outros aspectos da nossa jornada. E como nossa expectativa de vida aumentou sobremaneira, temos mais tempo para experimentar coisas novas, sensações novas, emoções novas, anabolizadas pelas possibilidades absurdas da tecnologia. Está aí o metaverso mexendo com os sentidos e permitindo que eu, você e uma legião de afortunados, que podem explorar o universo digital, vaguemos por um ambiente que recria a realidade, nos coloca cognitivamente como protagonistas de cenários impensáveis e impõe criar experiências intensas para nossos clientes. Claro que o metaverso vem para ocupar o lugar de um refúgio inclusive da carga informacional, que invade nossa mente mesmo quando estamos em casa, porque queremos vivenciar experiências incríveis e especiais, mas dentro de nossa zona de conforto. A mente viaja e nos leva para outras dimensões, onde ficamos totalmente alheios ao mundo incerto e perigoso à nossa volta. Como disse Caetano, na imortal canção Sampa, “E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”, receptiva à paisagem digital que permite voar, lutar, vencer, rir, sem trânsito, sem guerra, sem vírus, sem DR.
O metaverso representa uma pequena revolução. Como negócio, é uma espécie de condomínio virtual loteado para acomodar cenários infinitos de empresas e avatares, no qual a imobiliária é uma empresa digital de bilhõe de dólares de faturamento. Mas, como experiência, é um refúgio para quem considera a realidade um pouco mais insuportável a cada novo dia. O que sobrevirá dessa imersão no universo digital é um mistério. Mas podemos especular que será o triunfo da vida na bolha, dentro de outra bolha elaborada para que o indivíduo abra mão de sua vida arriscada, incerta, volátil e insegura, como se fosse um bebê retornando ao aconchego da barriga da mãe. A experiência do refúgio será a renúncia da vontade humana de encarar e descobrir o mundo como ele é, a partir do acesso a um mundo açucarado, embalado do jeito que queremos que ele seja?
Em longo prazo, a vida presencial e social que trouxe a humanidade até aqui continuará fazendo sentido? Estas são as novas perguntas para as quais ainda não há boas respostas.
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